Poucas vezes na vida ouvi tanta gente inteligente falando tanta bobagem quanto no caso das biografias autorizadas (ou não, como diria o Caetano). O volume de pronunciamentos sem sentido foi tão grande que pude constatar, mais uma vez, a sabedoria da frase de Einstein; “só existem duas coisas infinitas; o universo, e a estupidez humana. E sobre o primeiro ainda tenho algumas dúvidas”.
O cerne do debate é a questão sobre até onde um biógrafo tem o direito de invadir a intimidade de um biografado. Minha resposta é simples; não existe este limite. Porque? Pela simples razão que, a partir do momento em que uma pessoa deixa a sua marca na história, seja em que campo for, toda e qualquer revelação que ajude o comum dos mortais a entender a sua vida e obra tem que estar disponível.
Dando um exemplo prático; a melhor biografia que li foi “Estrela Solitária”, escrita por Ruy Castro sobre Garrincha, o grande craque de futebol. Mané Garrincha teve uma história de ascensão e queda impressionante; ídolo máximo do Brasil inteiro depois do bicampeonato mundial de futebol em 1962, morreu pobre e alcoólatra antes de completar 50 anos. Para muitos que acompanharam a sua vida (como é o meu caso), a decadência dele estaria associada, em grande parte, ao seu romance com a cantora Elza Soares. O livro de Ruy Castro mudou completamente meu ponto de vista. Só que, para esclarecer o caso, o autor chega a divulgar detalhes muito íntimos; fala que Garrincha era uma verdadeira máquina de fazer sexo, e dá até as dimensões do pênis dele (ficou curiosa, santa? Vai lá e lê o livro!). Porque isto é importante? Porque ajuda a entender que o caso entre ele e Elza Soares foi, basicamente, um amor baseado em sedução e atração física – coisa absolutamente intolerável para o puritanismo hipócrita da sociedade brasileira dos anos 60, principalmente levando-se em conta que Garrincha era casado e pai de sete meninas. Assim, o livro abriu meus olhos para novas ideias (como, aliás, sempre fazem os bons livros), demonstrando que Elza Soares foi muito mais um anjo do que um demônio na vida do Mané. E fazendo supor que, na sociedade mais evoluída que temos hoje, este caso talvez tivesse um desfecho bem mais feliz.
Entendo, portanto, que a obrigação de uma biografia é tentar entender decisões e atitudes do biografado – e, obviamente, isto passa pela intimidade dele (ou dela). A suposição de que o grande escritor Saint Exupéry fosse homossexual (numa época em que era melhor um homem morrer do que admitir esta “doença”) me permitiu um olhar um pouco diferente sobre seus livros. Suspeita semelhante levantada sobre Santos Dumont ajuda a entender a sua extraordinária sensibilidade e pode até nos levar a questionar as verdadeiras razões de seu suicídio. Ou seja; a curiosidade das pessoas sobre detalhes íntimos dos ídolos nem sempre é gratuita ou imbecil, pode ser apenas uma forma de tentar entender as suas vidas. E é justamente isto o que torna uma biografia diferente de um livro de história. Ninguém vai ler uma biografia sobre John Kennedy, com o objetivo de saber quando ele nasceu, foi eleito presidente ou assassinado; é só consultar a Wikipédia. A biografia tem que ir alem de datas e estatísticas. E o mergulho na vida íntima do biografado é absolutamente inevitável.
Concluindo, e tomando como exemplo uma das principais cabeças pensantes do grupo “Procure Saber” (e deste País, diga-se), o já citado Caetano Veloso; na qualidade de fã declarado da obra dele, desde os meus quinze anos, eu teria muita curiosidade de saber qual foi o processo criativo que o levou a compor uma música linda para uma moça que passava na praia (“Você é linda, e sabe viver...”), e, em outra ocasião, para um surfista (“Menino do Rio...”). Veja bem, não estou nem aí para a vida sexual dele, mas gostaria muito de saber como esta possível atração (ou não) por meninos e meninas se refletiu em toda a obra do mestre baiano, que eu tanto admiro. E isto, entendo eu, nenhuma personalidade pública tem o direito de impedir. É claro que, se o biógrafo mentir, que seja processado e tirem dele tudo o que o desgraçado tiver; mas proibir a divulgação, nunca. Afinal, quem foi mesmo que disse que “É proibido proibir”?
terça-feira, 19 de novembro de 2013
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