quinta-feira, 23 de junho de 2016

INVADE, OCUPA, QUEBRA, XINGA – SERÁ QUE DEMOCRACIA TEM QUE TER BAGUNÇA?

No início dos anos 80 a ditadura militar brasileira apresentava claros sinais de que não iria durar muito. A “abertura democrática”, promovida pelo então ditador João Batista Figueiredo, nada mais era do que um sinal de que o modelo econômico dos militares estava esgotado e eles estavam ansiosos para passar a bola adiante – o que acabou sendo feito.
Neste momento, em que a palavra “democracia” aparecia como um sonho e a possível solução de todos os males do Brasil reuniu-se no time do Corinthians uma geração de jogadores com inegável talento para jogar bola, mas que acabou sobressaindo-se por outro motivo; liderados por Sócrates, um jogador pouco convencional, que juntava à sua técnica refinada dentro de campo uma cultura de alto nível e grande capacidade de liderança, com o apoio de outros craques como o inteligente Vladimir, o rebelde Casagrande e o carismático Biro-biro, criaram um movimento que ficou conhecido como a “democracia corintiana”.
Basicamente, o negócio deles era jogar bola e ganhar muitos campeonatos – coisa que fizeram com muita competência, diga-se. Se fossem jogadores medíocres ninguém lhes daria o mínimo crédito. Mas suas atitudes iam muito além do gramado. E o causo que vamos contar agora diz muito mais respeito a estas atitudes do que ao jogo de bola.
Jogava neste timaço um ponta-direita chamado Ataliba, que, mesmo sem ter a qualidade técnica dos craques do time, resolvia o jogo de vez em quando. Certa vez, ele foi substituído, não gostou (duvido que algum jogador do mundo goste de ser substituído) e saiu soltando palavrões contra o técnico da ocasião, que eu não lembro quem era. A câmera da TV pegou a imagem (é claro que não vivíamos a época de hoje, em que qualquer palavrãozinho que o jogador solte é filmado por todos os ângulos possíveis), e o fato alcançou alguma repercussão na imprensa (também não existiam as famigeradas redes sociais de hoje).
Pressionado, o treinador exigiu da diretoria uma punição para o atleta. Só que Sócrates e seus companheiros vieram em defesa de Ataliba. Até ai tudo normal, é o tipo do episódio que nunca deveria sair dos limites do campo; o cara pede desculpas, o treinador aceita e vida que segue. Mas o argumento que os outros jogadores usaram foi o da “democracia”. Na visão deles, a “democracia” dava ao jogador o direito de xingar o técnico na frente de todo mundo. E é por isto que fiquei com esta história na cabeça.
Este talvez seja um dos mais graves problemas do Brasil; a confusão de conceitos entre “democracia” e “bagunça”. Nenhuma democracia do mundo dá a alguém o direito de destratar o seu gerente, principalmente se estiverem em público; também não é democrático invadir escolas, parar avenidas, manter greves abusivas, xingar autoridades (por mais que eu considere que a administração petista foi um desastre para o Brasil, sempre achei que aquele coral de “Ei, Dilma, vai tomar no (*)” é coisa de selvagens imbecis). No Brasil, infelizmente, este tipo de barbaridade é enquadrado dentro dos limites do “direito sagrado de livre expressão”. E se a polícia bater em alguém, a culpa é da polícia.
O resultado prático de tudo isto é que a melhor característica da democracia, que é a existência do debate livre e saudável entre os divergentes, que pode nos levar a uma negociação boa para todos, fica totalmente prejudicada; e não é por outra coisa que muitos desinformados entendem que a volta da ditadura militar seria uma solução. Pessoal, não precisamos de ditadura (ninguém precisa); precisamos de disciplina e ordem. E isto pode (deve) ocorrer em qualquer estado democrático.
Resumindo, o que o Brasil precisa não é de mudança de regras, mas sim cumprir as mínimas regras de convivência, educação e responsabilidade, que são os pilares de uma estrutura democrática. Invadir, paralisar, quebrar, xingar, nada disto resolve o problema. E a mudança cabe a cada um de nós.
Até a próxima.