sábado, 17 de março de 2018

De Luther King a Marielle Franco; a luta negra demais continua

Da longa série “será que a gente tem que explicar tudo?”;
“Cada negro que for, mais um negro virá, para lutar, com sangue ou não, com uma canção, também se luta, irmão”.
Em 1967, Wilson Simonal e Ronaldo Bôscoli juntaram seus talentos e compuseram o “Tributo a Martin Luther King”, de onde tirei a frase acima (ver a soberba interpretação do Simona em https://www.youtube.com/watch?v=FH0Ws4Sw0ZE) . O brutal assassinato de Luther King, pouco mais de um ano depois, fez com que a canção virasse quase um hino à integração racial, cantado com fervor por todos os inimigos do racismo, entre os quais este que vos fala (então com 16 anos). Meio século depois, o estúpido crime contra a vereadora Marielle me trouxe tudo isto de volta.
Antes que alguém diga que milhares de pessoas são mortas todos os dias, gostaria de levantar um ponto; um assassinato politico tem outra dimensão. Claro que não sou insensível à violência urbana ou no campo, mas matar friamente alguém apenas porque ousa levantar a voz contra uma situação vigente é muito pior, pelo menos na minha visão. É um crime contra a liberdade de pensamento. E o pensamento é o que empurra a humanidade para frente.
Não concordo com as teses do PSOL, provavelmente jamais votaria nesta moça, mas tenho certeza que ela era sincera em tudo o que dizia e fazia. Costumo dizer que não existe a luta dos negros, das mulheres ou dos homossexuais; existe a luta pela melhora do mundo. Não vejo Martin Luther King como um herói da raça negra; é um herói da raça humana, à qual eu também pertenço, até prova em contrário. Em outras palavras, ele não melhorou a vida de um grupo, tornou o mundo melhor para todos. É claro que existem racistas até hoje, mas é uma espécie cada vez mais em extinção. A realidade vai acabar passando por cima deles, é questão de tempo..
Por pensar assim, fico chocado quando vejo gente fazendo piadas com o assassinato. E também com gente que tenta tirar proveito político da situação – como alguns que dizem que os que mataram Marielle são os mesmos que querem prender Lula. Sem comentários...
Resumindo, a justa luta de Marielle continua. Porque, conforme ensinava a mesma canção, “luta negra demais, é lutar pela paz, para sermos iguais”. A luta é pela paz, pela liberdade de expressão. E nesta luta negra demais, todos são irmãos e iguais – o que inclui até um sujeito idoso, branco, heterossexual, engenheiro, gremista, espírita e fã do capitalismo, que nem eu.
Espero que me entendam.

quinta-feira, 1 de março de 2018

Reflexões sobre um aviso muito direto (ou; a triste história de um pastor de caranguejos)

A placa que ilustra este texto teria sido colocada por traficantes em uma favela do Rio de Janeiro. É um típico caso de “seria cômico, se não fosse trágico”. Seguramente os traficantes não estão preocupados com o meio ambiente, ou com a possibilidade do lixo acumulado produzir enchentes, estão apenas facilitando a organização dos seus negócios. E, conhecendo a indisciplina que caracteriza o brasileiro (e o carioca em especial), deixam bastante claro que, em caso de desobediência, o cara vai levar um tiro na mão. Nada muito violento (para os parâmetros deles, é claro), apenas uma lembrança para o resto da vida. Não é preciso dizer que a área está imaculadamente limpa.
Uma história puxa outra, e recordo o causo do japonês e do quebra-molas, que me foi contado por um amigo. Ele trabalhava em uma multinacional com sede no Japão. Um dia o “big boss” da empresa resolveu vir ao Rio de Janeiro conhecer a filial daqui, e coube a este meu amigo o trabalho de cicerone. O japa ficou hospedado no então Hotel Meridién, em Copacabana. De manhã cedo meu amigo passou por lá e foi levando o chefão para a fábrica, em Jacarepaguá. Como todos os estrangeiros que chegam pela primeira vez no Rio, o cara estava muito impressionado com as belezas da cidade, sempre maravilhosa.
O papo vinha tranquilo até que, próximo à fábrica, tiveram que reduzir a velocidade do carro para passar em um quebra-molas. Depois veio um segundo, um terceiro... até que o japonês não aguentou mais e perguntou porque colocavam aquilo no meio da rua. Meu amigo respondeu o óbvio; aquilo estava ali para obrigar os carros a reduzir a velocidade. Singelamente, o japonês perguntou se não era mais fácil colocar uma placa indicando a velocidade máxima. Neste momento meu amigo fingiu que não ouviu e tentou mudar de assunto. Como explicar o inexplicável?
O resumo da história é bastante triste, para nós todos; nenhum povo civilizado entende porque no Brasil as pessoas não conseguem ter o mínimo de disciplina, pensar o mínimo nos outros, obedecer às regras mais elementares. O reflexo deste comportamento nos nossos projetos é o absurdo aumento dos custos; é muito mais caro um quebra-molas do que uma placa, mas se ninguém obedece à placa... Esta desobediência obriga a controles pesados. E é por isto que temos leis complicadíssimas, fiscalização pesada, enfim, toda uma parafernália que se reflete em ineficiência e custos excessivos.
Lembro que uma vez, ao lidar com uma equipe extremamente rebelde, usei a expressão “pastor de caranguejos” para descrever o meu trabalho com eles. Eu me desgastava o tempo todo tentando levar adiante um projeto, enquanto cada um do time queria fazer do seu jeito. Se eu não consegui resolver o problema (e nenhum gerente no Brasil consegue, basta ver os nossos resultados), os traficantes deram um jeito bem objetivo; com um AR-15 na mão do gerente as pessoas subitamente se tornam educadas e dispostas a seguir as regras.
A pergunta é; será que tem que ser deste jeito? Talvez eu esteja viajando na maionese, mas me parece que o fato de uma percentagem significativa da população brasileira hoje apoiar ostensivamente a volta da ditadura militar tem a ver com isto. Particularmente, considero esta posição um retrocesso vergonhoso, mas o fato é que não aproveitamos os trinta anos de democracia que tivemos para aprender a debater com educação, conviver com civilidade e obedecer às regras. E quando o caos se instala, a quartelada aparece como uma solução. Quem não aprende por bem, acaba aprendendo por mal, já dizia a minha sábia avó, lá de Santa Maria da Boca do Monte.
Enfim, quem viver, verá.