terça-feira, 19 de março de 2013

O “CAUSO” DO JAPONÊS INCONVENIENTE


Esta quem me contou foi meu amigo Diomedes Cesário da Silva, colega da velha guarda da engenharia básica do CENPES (Centro de Pesquisas da Petrobras), uma das pessoas mais inteligentes que conheço e que tem uma visão crítica e irônica do mundo corporativo com a qual eu me identifico muito.
O “causo” aconteceu lá pelo final dos anos 80. Estávamos no auge da “febre da qualidade total”, e este era o assunto único nas conversas dos gerentes da época.  Na Petrobras estávamos buscando todas as padronizações e certificações possíveis, as normas ISO eram a nossa Bíblia, e Juran e Deming os nossos profetas, os famosos CCQ (Círculos de Controle da Qualidade) funcionavam a todo vapor, enfim, qualidade era a palavra de ordem.
E aí alguém teve a brilhante ideia de chamar para uma visita ao CENPES um dos grandes gurus da qualidade – ninguém menos que o japonês Kaoru Ishikawa, o homem do diagrama causa-efeito, um dos mais conhecidos e respeitados nomes do ramo.
Pois o nosso bom Ishikawa passou o dia todo assistindo apresentações de diversas áreas da empresa, todo mundo fazendo questão de mostrar as suas padronizações, os seus procedimentos e aquele papo todo. O japa assistiu a tudo calado, com aquele ar enigmático que só um oriental consegue ter (na verdade, a gente nunca sabe se ele está profundamente concentrado ou se está dormindo, mesmo), até que, no final, pediram a opinião dele.
Diz o Diomedes que o cara olhou, pensou um pouquinho, e falou algo do tipo; OK, pessoal, muito bom tudo isto, mas...o que vocês apresentaram aqui eu já conheço, está nos livros, inclusive nos que eu mesmo escrevi. O que eu gostaria de perguntar é; qual foi a melhora nos resultados de vocês a partir da aplicação destas práticas?
Ainda segundo a narrativa do Diomedes, o que se seguiu foi um silêncio constrangedor. Depois de alguns segundos que pareceram uma eternidade, alguém conseguiu emendar algo do tipo “estamos começando agora, ainda não foi possível aferir”, enfim, uma conversa estilo Rolando Lero, o imortal personagem da escolinha do não menos imortal Professor Raimundo, o grande Chico Anysio. Completando a história, diz a lenda que, durante muito tempo, os gerentes da qualidade do CENPES se referiram ao mestre Ishikawa como “aquele japonês inconveniente”...
Hoje, quando penso no “boom” do gerenciamento de projetos nos últimos anos, esta historinha deliciosa me parece mais atual do que nunca. Afinal, de uns dez anos para cá, a Petrobras passou de meia dúzia de PMPs (eu, que me certifiquei em novembro/2001, fui um dos pioneiros) para algumas centenas, tivemos no Brasil uma proliferação de cursos de MBA, pós-graduação, criamos dezenas de “chapters” do PMI, e quais foram os resultados? Projetos atrasadíssimos, orçamentos estourados, escopos mal definidos, enfim, estamos pagando mico perante o mundo todo, tanto nas novas refinarias como na Copa, Olimpíadas, e por aí vai.
Isto significa que esta história de gerenciamento de projetos e qualidade total não passa de uma papagaiada, destinada apenas a enriquecer alguns consultores? É claro que não. É provado que as boas práticas do PMI melhoraram os resultados de milhares de projetos no mundo todo, da mesma forma que a correta aplicação dos princípios da qualidade total transformou o destroçado Japão do pós-guerra em uma potência mundial de primeira linha em pouco mais de duas décadas.
Qual é o problema, então? Responder a esta pergunta vai exigir pelo menos um post inteiro, na verdade talvez uma tese de mestrado ou um livro. Numa visão simplista e resumida, acredito que nós, brasileiros, continuamos os mesmos índios de tanga, querendo bugigangas, que Cabral encontrou  há cinco séculos. Damos um valor imenso a quem é bom em fingir, enganar, falar bonito; adoramos enfeitar nossos nomes com títulos e certificações (você sabe com quem está falando? José Mané, PMP, IPMA, MBA, Msc, PhD e mais sei lá o quê). Só que nos sentimos mortalmente ofendidos quando alguém cobra resultados.  Isto nos diferencia profundamente dos povos "pragmáticos", como americanos, alemães e japoneses, por exemplo. E é só ver onde eles chegaram e onde nós estamos para ver qual das duas abordagens é melhor.
Enfim, pretendo ir mais adiante nesta análise em um próximo post, porque este já ficou muito grande.
Até a próxima!