Esta quem me contou foi meu amigo
Diomedes Cesário da Silva, colega da velha guarda da engenharia básica do
CENPES (Centro de Pesquisas da Petrobras), uma das pessoas mais inteligentes
que conheço e que tem uma visão crítica e irônica do mundo corporativo com a
qual eu me identifico muito.
O “causo” aconteceu lá pelo final
dos anos 80. Estávamos no auge da “febre da qualidade total”, e este era o
assunto único nas conversas dos gerentes da época. Na Petrobras estávamos buscando todas as
padronizações e certificações possíveis, as normas ISO eram a nossa Bíblia, e Juran e
Deming os nossos profetas, os famosos CCQ (Círculos de Controle da
Qualidade) funcionavam a todo vapor, enfim, qualidade era a palavra de ordem.
E aí alguém teve a brilhante
ideia de chamar para uma visita ao CENPES um dos grandes gurus da qualidade – ninguém
menos que o japonês Kaoru Ishikawa, o homem do diagrama causa-efeito, um dos mais
conhecidos e respeitados nomes do ramo.
Pois o nosso bom Ishikawa passou
o dia todo assistindo apresentações de diversas áreas da empresa, todo mundo
fazendo questão de mostrar as suas padronizações, os seus procedimentos e aquele
papo todo. O japa assistiu a tudo calado, com aquele ar enigmático que só um
oriental consegue ter (na verdade, a gente nunca sabe se ele está profundamente
concentrado ou se está dormindo, mesmo), até que, no final, pediram a opinião
dele.
Diz o Diomedes que o cara olhou,
pensou um pouquinho, e falou algo do tipo; OK, pessoal, muito bom tudo isto,
mas...o que vocês apresentaram aqui eu já conheço, está nos livros, inclusive
nos que eu mesmo escrevi. O que eu gostaria de perguntar é; qual foi a melhora
nos resultados de vocês a partir da aplicação destas práticas?
Ainda segundo a narrativa do
Diomedes, o que se seguiu foi um silêncio constrangedor. Depois de alguns
segundos que pareceram uma eternidade, alguém conseguiu emendar algo do tipo
“estamos começando agora, ainda não foi possível aferir”, enfim, uma conversa
estilo Rolando Lero, o imortal personagem da escolinha do não menos imortal
Professor Raimundo, o grande Chico Anysio. Completando a história, diz a lenda que, durante muito tempo,
os gerentes da qualidade do CENPES se referiram ao mestre Ishikawa como “aquele
japonês inconveniente”...
Hoje, quando penso no “boom” do
gerenciamento de projetos nos últimos anos, esta historinha deliciosa me parece
mais atual do que nunca. Afinal, de uns dez anos para cá, a Petrobras passou de
meia dúzia de PMPs (eu, que me certifiquei em novembro/2001, fui um dos
pioneiros) para algumas centenas, tivemos no Brasil uma proliferação de cursos
de MBA, pós-graduação, criamos dezenas de “chapters” do PMI, e quais foram os
resultados? Projetos atrasadíssimos, orçamentos estourados, escopos mal
definidos, enfim, estamos pagando mico perante o mundo todo, tanto nas novas
refinarias como na Copa, Olimpíadas, e por aí vai.
Isto significa que esta história
de gerenciamento de projetos e qualidade total não passa de uma papagaiada,
destinada apenas a enriquecer alguns consultores? É claro que não. É provado que as boas
práticas do PMI melhoraram os resultados de milhares de projetos no mundo todo,
da mesma forma que a correta aplicação dos princípios da qualidade total
transformou o destroçado Japão do pós-guerra em uma potência mundial de
primeira linha em pouco mais de duas décadas.
Qual é o problema, então? Responder
a esta pergunta vai exigir pelo menos um post inteiro, na verdade talvez uma
tese de mestrado ou um livro. Numa visão simplista e resumida, acredito que nós, brasileiros,
continuamos os mesmos índios de tanga, querendo bugigangas, que Cabral
encontrou há cinco séculos. Damos um
valor imenso a quem é bom em fingir, enganar, falar bonito; adoramos enfeitar
nossos nomes com títulos e certificações (você sabe com quem está falando? José
Mané, PMP, IPMA, MBA, Msc, PhD e mais sei lá o quê). Só que nos sentimos
mortalmente ofendidos quando alguém cobra resultados. Isto nos diferencia profundamente dos
povos "pragmáticos", como americanos, alemães e japoneses, por exemplo. E é só ver onde eles chegaram e onde nós
estamos para ver qual das duas abordagens é melhor.
Enfim, pretendo ir mais adiante
nesta análise em um próximo post, porque este já ficou muito grande.
Até a próxima!
De fato é um viés da Qualidade Total e do Gerenciamento de Projetos que precisa ser repensado na cultura dos profissionais brasileiros.
ResponderExcluirComo defendi na minha tese de conclusão de curso, com base na bibliografia e no meu modo de ver, a chave é comprometimento e envolvimento GLOBAL em todos os níveis da corporação.
Criar um sistema de qualidade “gerador de papéis” que nunca são utilizados nem consultados para nada é a mesma coisa que enxugar gelo.
O Brasileiro corre atrás de montar um sistema de qualidade onde se registra tudo menos os resultados das ações.
O seis sigma por esse lado cai como uma luva para quem gosta de registrar tudo porque como resposta dos inputs registrados não se espera menos do que 3 erros por milhão de operações, 20% de aumento do lucro operacional com 50% de redução do custo de operação do negócio.
Isso é resultado!!!
Agora, duro é ter peito para enfrentar e lutar contra as vaidades corporativas...
O abismo que percebi entre conhecer como se deve fazer uma gestão de qualidade e implementá-la como se deve em meios refratários travestidos de “engajados com a qualidade, a responsabilidade e satisfação do cliente”, foi para mim uma das maiores decepções.
Eu sempre pergunto para quem está trabalhando comigo: O que é Qualidade para você?
A resposta sempre vem direta e certeira: É produzir bens e serviços que funcionem bem, sejam bonitos e não quebrem...
Quando ouço isso parece que o chão sai de baixo dos meus pés.
E não posso deixar de dar o meu pitaco: “Errado! Isso que você disse não é qualidade é nossa obrigação, é nossa MISSÃO! Qualidade é fazer tudo isso que você disse atendendo as expectativas do cliente, no menor custo, com o menor desperdício, com o maior aproveitamento de recursos e com a maior lucratividade possível!”
E o atendimento das expectativas dos clientes começa lá na portaria com o cuidado com o aspecto e a aparência do portão, do jardim, da recepção... Passa pela atenção e qualidade no atendimento, enfim... Os livros estão cheios disso tudo e eu já estou começando a fazer chover no molhado...
Abs.
Boa Noite.
ResponderExcluirGostei muito do post e vou compartilhar com alguns amigos.
Acredito que a grande diferença no caso citado entre o "japa" e os gerentes de projeto esteja na cultura.
É comum você ouvir falar que no Japão todos trabalham buscando a melhoria continua, desde o operário da fabrica até o mais alto diretor.
O mesmo operário que além de realizar uma atividade determinada também é responsável pela limpeza, segurança e sugestão de melhorias. (Processo 5S).
Cenário muito diferente do Brasil, onde ao fazer isso você corre o risco de ser processado por acumulo de função.
Um amigo que trabalhou como gerente de Telecom no Japão me contou uma vez, que quando participou da primeira reunião com a Diretoria sentiu que podia ajudar em uma discussão e então pediu a vez para falar.
O Diretor dela então parou a reunião e questionou ele.
Quanto tempo você tem de empresa?
Ela respondeu 2 semanas aqui, mas tenho experiência de mais 20 anos de experiência.
O Diretor então respondeu que ela deveria aguardar até completar 03 meses antes de dar sua opinião.
Naquela empresa eles primeiro ouviam e aprendiam e depois compartilhavam.
No Brasil é o contrário, temos o famoso "Chegou agora e sentou na Janelinha".
Estamos mais preocupados em nos fazer entendidos e vendermos aquela imagem de especialistas, que muitas vezes se quer sabemos do que estamos falando na pratica.
Repare nos grupos do Linkedin, temos muitas pessoas com diversas certificações que entram nas discussões com o livro debaixo do braço e não conseguem pensar sem o livro.
Abraço,
Fernando Seiki Fialho Kumasaka