Um dos debates mais interessantes entre os que são propostos no mundo do gerenciamento de projetos é o das competências necessárias para o gerente de projetos – esta estranha figura. Normalmente (eu diria até que por uma distorção histórica), os gerentes de projeto sempre foram recrutados na área técnica das organizações. Assim, por algum tipo de “determinismo biológico”, eles sempre acabavam por ter sólidos conhecimentos e apresentavam competência comprovada na área técnica. O problema é que, na medida em que o conhecimento sobre a atividade aumentava (e continua aumentando, porque isto é um processo, não vai acabar nunca), as habilidades “soft” comprovavam cada vez mais a sua importância. No fim das contas, o próprio PMI, sem dúvida a mais reconhecida autoridade mundial no tema, adota hoje uma posição meio em cima do muro; por um lado, valoriza muito a certificação PMP (Project Management Professional), a qual é obtida através de uma prova (ou seja, fundamentalmente representa conhecimento técnico), mas, por outro, no seu livro “sagrado” PMBoK Guide, defende que existem habilidades muito importantes do tipo Liderança, Comunicação, Gerenciamento de Conflitos, e outras, sem as quais o gerente de projetos não consegue realizar seu trabalho de forma satisfatória.
E aí, perguntamos nós, pobres mortais, como é que fica? São mais importantes o conhecimento técnico e a certificação, ou as habilidades de relacionamento? Ou será que o gerente de projeto, como se fosse uma pizza, pode ser “mezzo calabresa, mezzo muzzarela”?
É claro que a resposta está mais ou menos no meio do caminho mas, como não nos move o nobre propósito de esclarecer as pessoas, mas sim o de rir um pouco, trago, mais para confundir do que para explicar, uma história que envolve futebol e macumba, e que foi maravilhosamente contada pelo brilhante escritor Plínio Marcos, na revista Placar, lá pelos idos de setenta e poucos (estou citando de memória, portanto me dou o direito de cometer alguns equívocos em relação ao original).
Segundo a narrativa, em algum ano do início da década de sessenta, o time do Botafogo do Rio, apesar de contar com craques do nível de Didi, Nilton Santos, Garrincha e outros, atravessava uma fase complicada no torneio Rio-São Paulo (que, na época, era a mais importante competição interestadual existente. O Campeonato Brasileiro só viria alguns anos mais tarde, em 1971). Contava o autor de “Dois perdidos em uma noite suja” que o Botafogo vinha de três derrotas seguidas, a torcida cobrava providências, e o próximo jogo era no domingo seguinte, em São Paulo, contra a (na época) perigosa Portuguesa de Desportos. Lá pelas tantas, como sempre ocorre nestas situações, apareceu uma cabeça iluminada na diretoria botafoguense para decretar que o problema do time era espiritual; havia algum tipo de “amarração” que impedia a bola de entrar no gol inimigo. Ato contínuo, resolveram contratar um pai-de-santo de competência comprovada para ajudar a resolver a crise do time. Vamos batizá-lo de Pai Joaquim, para continuar contando a história.
Como os tempos eram de vacas gordas, Pai Joaquim recebeu do clube passagens e hotel, além de um adiantamento para comprar o seu material de trabalho (velas, farofa, etc...). Foi para São Paulo já na sexta-feira, aproveitando a noite para deixar seus despachos botafoguenses nas devidas encruzilhadas da capital paulistana. Só que um detalhe importante foi esquecido; ele não entendia absolutamente nada de futebol. Não lia, não acompanhava, e a única coisa que sabia é que tinha sido contratado para ajudar um time chamado Botafogo a vencer um determinado jogo. E este detalhe foi fatal para o desfecho da história. Sim, porque, no sábado, ao sair para dar uma volta pela manhã paulistana, o nosso bom Pai Joaquim viu, na banca de jornais, uma manchete da seção esportiva anunciando; hoje, no estádio da rua Javari, Juventus x Botafogo. Surpreso (o jogo do Botafogo não era domingo? Puxa vida, me deram uma informação errada!), deve ter atribuído a feliz coincidência de ler a notícia a seus bons mentores espirituais. Mal ele sabia que, na verdade, aquilo era uma armação das forças da maldade. Sim, porque, na sua total ingenuidade sobre o bretão esporte, ele não fazia a menor idéia de que existia, em Ribeirão Preto, um outro Botafogo, e era este que ia enfrentar o Juventus, por um torneiozinho mixuruca que os times pequenos paulistas jogavam, enquanto os grandes estavam envolvidos no Rio-São Paulo.
Pai Joaquim foi para a rua Javari, preparado para completar o seu bom trabalho. Ao chegar (provavelmente pela primeira vez na vida) na arquibancada do estádio, foi assombrado por uma dúvida; afinal, qual dos dois times em campo era o Botafogo? Pediu a informação para um torcedor próximo (no caso, devíamos ter umas dez ou quinze testemunhas, dada a pouquíssima importância do jogo). O cara deve ter estranhado o despropósito da pergunta mas, gentilmente, informou que o time de branco era o Botafogo, e o de vermelho, o Juventus. Pai Joaquim agradeceu a informação, procurou um canto isolado da arquibancada (coisa não muito difícil, diga-se), e ali ficou o jogo todo, fazendo suas rezas. Não sei se por competência dele, ou incompetência do Juventus, ou tudo junto, o resultado final do jogo foi Botafogo 4x0 – o simpático time da rua Javari foi humilhado com uma goleada em sua própria casa. Satisfeito, Pai Joaquim voltou para o Rio no mesmo dia, com sua missão cumprida (pelo menos na opinião dele).
No jogo de domingo, imaginem o que aconteceu? O Botafogo (o do Rio, é claro) levou uma goleada de 4x0 da Portuguesa. Sem saber de nada, o nosso herói foi na segunda-feira à sede de General Severiano, para receber seus honorários. Obviamente, foi quase jogado porta afora; afinal, a gente perde de quatro e você ainda quer dinheiro, seu safado? Resultado final (lições aprendidas, diria o PMBoK Guide); Pai Joaquim acreditou, até o último de seus dias neste planeta, que foi vítima de uma gozação por parte do torcedor da rua Javari – que, trocando a identidade dos times, o teria induzido a usar toda a sua força espiritual em favor do lado errado. Dizem que rogou uma praga para o sujeito que deve ter estragado completamente a vida dele, mas isto pode ser apenas um boato. O fato é que nunca passou pela cabeça dele que, na verdade, eram dois Botafogos, em dois jogos diferentes, um ganhando e outro perdendo pelo mesmo escore.
O moral desta história, colocada como um “case” de gerenciamento de projetos, é simples; procure sempre conhecer as competências e fraquezas de um profissional antes de contratá-lo, e tome muito cuidado com os detalhes, nesta hora. Nosso bom Pai Joaquim era, provavelmente, muito competente nos assuntos da área espiritual, mas tinha limitações no conhecimento específico de futebol – e, no caso, quem o contratou não deu a devida atenção a este fato. Uma velha história que se repete; detalhes esquecidos na fase de planejamento, inexistência de procedimentos para autorização e gerenciamento de mudanças (ele devia ter ligado para alguém para confirmar se a data do jogo havia sido trocada para sábado, mesmo), atribuições mal definidas (alguém devia ter se responsabilizado por aferir o conhecimento que ele tinha sobre futebol e, constatada a absoluta falta deste conhecimento, explicar, em detalhe, quem era o Botafogo e onde era o jogo), e várias outras coisinhas que fazem um projeto aparentemente sólido desabar deste jeito. Não foi o primeiro caso, nem será o último – mas que foi um dos mais divertidos que eu já ouvi falar, lá isto foi.
quinta-feira, 23 de junho de 2011
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