terça-feira, 26 de abril de 2016

A ascensão do cuspe-dô, a nova arte marcial brasileira

Nelson Rodrigues, provavelmente o nosso maior frasista e um cara que entendeu a alma brasileira como poucos, dizia; “O brasileiro é o Narciso às avessas; se puder, cospe na própria imagem”. Nos anos 50, quando eu nasci e Nelson escreveu esta frase, cuspir em alguém era considerado um ato de suprema ofensa, seguramente uma agressão pior até que um soco ou algo assim. Afinal, para dar um soco é preciso tocar no agredido; o cuspe ficava reservado para seres tão abjetos que nos repugnava a ideia de ter qualquer contato físico com eles. E a imagem de alguém cuspindo em si mesmo era forte o suficiente para determinar o tamanho da nossa falta de autoestima, o complexo de vira-latas, na definição do próprio Nelson.
Nem nos seus piores pesadelos o nosso grande escritor poderia imaginar o quanto sua frase seria profética. Nestes tempos trevosos que vivemos, cuspir nos outros virou moda e, pior ainda, passou a ser considerado por muitos como uma atitude justa, quase exemplar, dependendo de quem seja o alvo da cusparada. Conforme sugere o título deste post, talvez estejamos assistindo à criação de uma nova arte marcial. O sufixo “dô”, presente no nome de diversas lutas orientais (judô, aiki-dô, tae-kwon-do), significa “caminho”. No caso deles, o caminho proposto é o do respeito aos outros e da disciplina; já o nosso cuspe-dô louva a cafajestagem e a covardia.
Minha triste conclusão é que, finalmente, o brasileiro perdeu a paciência com este tal de “brasileiro”, o repulsivo ser responsável por todas as nossas mazelas e que sempre é o outro, nunca a gente. No fundo, cada um cospe em si mesmo; na nossa falta de autoestima, na nossa incapacidade de criar um verdadeiro sentimento de nação, mesmo tendo um país com tantas possibilidades.
Espero que, deste fundo de poço moral aonde chegamos, surja uma oportunidade, e finalmente o brasileiro se reconcilie consigo mesmo, aprenda a dialogar e construir. Infelizmente, no momento, o que vemos são atitudes cada vez mais raivosas, agressivas e irracionais. E cuspir, acima de tudo, é um ato “nojento!”, conforme diria, com muita propriedade, o saudoso Tião Macalé, numa definição perfeitamente aplicável ao atual momento político e social que vivemos.
Enfim, quem viver, verá.

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