terça-feira, 29 de maio de 2018

DISCORDAR É UMA COISA, AGREDIR É OUTRA. QUANDO É QUE VAMOS APRENDER?

Um episódio ocorrido em uma greve é uma das lembranças mais vivas que tenho dos meus quase quarenta anos de Petrobras. O ano era 1991, o presidente era Fernando Collor e nós, funcionários da Petrobras, carregávamos a imagem de vilões do Brasil – os alvos preferidos do então conhecido como “caçador de marajás”, se é que alguém ainda se lembra disto.
Só que a vida real era muito diferente, nosso poder aquisitivo definhava e em setembro, mês do dissidio, recebemos uma proposta indecorosa de 30% de aumento (a inflação já passava de 100% ao ano).
Entramos em uma greve difícil, impopular. E foi no final de um dia muito desgastante, numa assembleia em frente ao EDISE, no centro do Rio de Janeiro, que um carro da Rede Globo estacionou e dele desceu uma equipe de reportagem.
Na época, assim como hoje, havia entre nós pessoas que responsabilizavam a Globo por tudo de mal que existia no País (eu não concordo muito com esta tese, mas esta discussão fica para outro dia). Os ânimos já estavam exaltados e alguns colegas começaram a ensaiar uma vaia para cima deles.
Neste momento, um colega do sindicato tomou o microfone do carro de som e falou; “Pessoal, ninguém aqui gosta da Globo, mas estes caras são trabalhadores como nós. Vamos deixar eles trabalharem”. Não lembro se as palavras foram exatamente estas, mas poucas vezes na vida vi alguém ter uma atitude tão inteligente e oportuna. Ninguém mais incomodou os caras, acho até que alguns deram entrevista e tudo acabou em paz.
Hoje, quando vejo a covardia feita com alguns jornalistas, principalmente com mulheres (desculpem, mas sou do tempo do cavalheirismo explícito), não posso deixar de lembrar este episódio.
E a conclusão, triste, é que andamos muito para trás. O brasileiro simpático e cordial sumiu (na verdade, não sei se ele realmente existiu algum dia ou se isto não passa de uma crendice popular, como o Saci Pererê ou algo assim). Viramos trogloditas. Trabalhador contra trabalhador, povo contra povo. E o pedido que alguns fazem por uma intervenção militar é a “cereja” deste bolo fecal; é a confissão de fracasso de um povo, significa que não conseguimos conviver com nós mesmos, não sabemos lidar com a liberdade nem com a diversidade de opiniões, preferimos pedir que alguém tome conta da gente. A única perspectiva boa é que tenho certeza que nem os militares vão querer descascar este abacaxi.
Enfim, não sei onde isto vai parar. Mas o sentimento é de derrota. Muito pior que os 7x1.

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Há exatos sessenta anos o Brasil ganhou a sua primeira Copa do Mundo com planejamento meticuloso e obediência tática. Alguém já te contou esta historia?


Sim, você já ouviu o seu avô dizendo que o Brasil ganhou a Copa de 58 sambando com a bola no pé – tinha até uma musiquinha ufanista da época que dizia isto. Um time que jogava prá frente, e foi o único a fazer cinco gols em uma final de copa. A parte dos cinco gols na final é verdadeira, mas a história toda não é bem assim. Em ano de copa, aproveito para contar este causo na sua versão verdadeira, que é bem diferente da que foi consagrada. De certa forma posso dizer que fui testemunha ocular, afinal, tinha seis anos na época e sempre fui fanático por futebol.
A história, na verdade, começa algum tempo antes. Só para ter uma ideia do nível de amadorismo dos nossos cartolas de então, na Copa de 1954, na Suíça, o último jogo do Brasil na fase de grupos foi contra a Iugoslávia. O empate classificava os dois times – só que ninguém na delegação brasileira sabia disto. O resultado é que o jogo foi 1x1 e o nosso time se esforçou até o final buscando uma vitória que era totalmente desnecessária. Diz a lenda que o capitão iugoslavo Mitic, que arranhava alguma coisa em português, sem entender porque os brasileiros estavam se matando em campo, começou a dizer, baixinho, para quem passava perto dele; “empate é bom... empate é bom...”. Foi só no vestiário que o time ficou sabendo que estava classificado. No jogo seguinte, contra a poderosa Hungria de Puskas, o desgaste inútil, aliado à qualidade do adversário, resultou numa derrota por 4x2 e eliminação.
O resultado deste vexame, somado ao de 1950, já cantado em prosa e verso, fez com que a então CBD (Confederação Brasileira de Desportos – ainda não havia a CBF), tomasse providências interessantes. O recém-empossado presidente João Havelange resolveu que, para a Copa de 58, não teríamos apenas um treinador cuidando de tudo, como era o normal na época; formou-se uma comissão, incluindo, além do técnico Vicente Feola, um preparador físico (Paulo Amaral), um médico (Dr. Hilton Gosling), um dentista (Dr. Mário Trigo) e até um psicólogo (Professor Carvalhaes).
Pausa para falar em João Havelange; considero-o um dos maiores dirigentes esportivos da história do Brasil e do Mundo. A transformação do futebol no negócio bilionário que é hoje teve nele seu principal articulador. Administrador brilhante, quase genial, eu diria. Infelizmente se deixou levar por outros interesses e acabou muito mal a sua trajetória, mas isto é outro papo. Fecho o parêntese.
Inteligente, Havelange foi provavelmente o primeiro a entender que os brasileiros tinham técnica para enfrentar qualquer time do mundo; o problema era a falta de condições físicas e psicológicas. Nossos jogadores, em sua esmagadora maioria, vinham do Brasil do Jeca Tatu; tinham focos dentários, doenças infecciosas e uma preguiça macunaímica para exercícios físicos. Mário Trigo arrancou dezenas de dentes podres, Hilton Gosling cuidou até da alimentação deles, o rigoroso Paulo Amaral deu-lhes um condicionamento privilegiado e Carvalhaes teve a tarefa de convencê-los que eles não eram a pátria de chuteiras; iam apenas jogar um campeonato de futebol. A descontração, dizem, era muito auxiliada por Mário Trigo que, além de bom dentista, era, segundo informações da época, um excelente contador de “causos” e anedotas.
Nova pausa para falar no ambiente da época. O Brasil não conseguia passar de uma espécie de “terceira força” do continente; os uruguaios eram bi-campeões do Mundo e os argentinos os donos da Copa América (então chamado “Sul-Americano”). Entre os argumentos que tentavam justificar os nossos consecutivos fracassos, chegou-se a levantar a hipótese que o mal era que jogadores negros ou mestiços não tinham equilíbrio emocional para disputar jogos decisivos (?). Coincidência ou não, o time que estreou na copa de 58 tinha apenas um negro, Didi (no caso porque o reserva dele, Moacir, também era negro). Em todas as outras posições do time, o escolhido era o que tinha a pele mais clara; isto deixou de fora , entre outros, Djalma Santos, Zito, Pelé, Garrincha e Vavá, que acabaram entrando ao longo do campeonato. Até hoje não se sabe se o motivo foi este mesmo ou é apenas mais uma teoria conspiratória, mas...
Sabendo dos traumas, Feola e seus colegas resolveram estruturar o time de forma a evitar sofrer gols, coisa muito pouco usada em uma época de futebol muito mais ofensivo. A qualidade do grupo era muito boa, e o Brasil montou uma defesa fortíssima, com o excelente goleiro Gilmar, uma dupla de zaga entrosada no Vasco (Bellini e Orlando), um super-craque na lateral esquerda (Nilton Santos) e um marcador implacável na direita (De Sordi). Os jogadores de meio-campo (Dino Sani, mais tarde substituído por Zito, e Didi) ajudavam sempre, e o ponta-esquerda Zagalo, dono de um fôlego invejável, ajudava na recomposição defensiva (muito antes deste termo entrar em moda).
O fato é que o Brasil estreou na fase de grupos enfiando 3x0 na Áustria, depois protagonizou contra os ingleses o primeiro 0x0 da história das Copas, e fechou com um 2x0 contra os soviéticos, na partida eu marcou a estreia de Pelé e Garrincha. Nas quartas de final (vale lembrar que o torneio, na época, tinha apenas 16 times), foi a vez do País de Gales; outro jogo duro, 1x0 com um golzinho chorado de Pelé quase no fim da partida. Quatro jogos, sete gols a favor e zero contra, uma marca totalmente fora do contexto da época. Só para ter uma ideia a França, nossa adversária na semifinal, tinha, nos mesmos quatro jogos, a marca de 15 gols a favor e 7 contra, incluindo um incrível 7x3 nos paraguaios, no seu jogo de estreia. Não por outra coisa este jogo foi anunciado como o duelo entre o alegre e ofensivo futebol dos franceses e a feroz retranca brasileira.
Na hora da verdade, o Brasil fez um gol logo de cara, mas o genial atacante francês Just Fontaine conseguiu, finalmente, vazar a meta brasileira e deixou tudo igual. O jogo tinha um leve predomínio do Brasil quando, próximo dos 30 minutos, um incidente mudou a historia da partida; numa dividida forte com Vavá, o zagueiro francês Jonquet fraturou a perna. Como não havia substituições, a França ficou com um a menos, e o pior é que seus jogadores de frente não tinham o menor cacoete de marcar. Não tendo como recompor a defesa, eles assistiram Pelé fazer três gols no segundo tempo e o Brasil chegar a uma vantagem de 5x1 (no finalzinho Piantoni ainda diminuiu, fechando o placar em 5x2). Uma goleada totalmente fora do contexto normal de um jogo que poderia ser bem mais difícil.
Na final o Brasil pegou o time sueco, que era muito mais fraco que o francês (e, dizem as más línguas, só chegou lá graças a “apitos caseiros” nos jogos contra União Soviética e Alemanha, que tinham equipes bem melhores). Além disto, tivemos finalmente a participação de Djalma Santos, que substituiu o esforçado De Sordi na lateral direita e deu um verdadeiro show de técnica em jogadas com Garrincha. Nem mesmo o surpreendente gol de Liedholm, aos quatro minutos de jogo, abalou os brasileiros, que viraram e golearam com facilidade.
Resumindo, o que passou à historia foi a seleção da ginga, do samba, das goleadas – que só aconteceram nos dois últimos jogos. Mas quem levou o Brasil àquela conquista foi muito mais a seleção do planejamento e da obediência tática.
Reflexão final; por algum motivo que eu não consigo entender, parece que o brasileiro prefere se orgulhar do improviso e do tal “jeitinho” do que ficar feliz com um projeto muito bem planejado e executado. Vá entender...
E quem quiser que conte outra!