quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

AS TRÊS LIÇÕES DO TIO GUGU, O DOCE COMUNISTA

Uma das melhores figuras que Deus colocou em meu caminho nesta vida foi meu tio Gugu.
Seu nome era Juvenal Jacinto de Souza, jornalista e tradutor. Hoje, mais de trinta anos depois de sua morte, dá nome a uma praça no bairro da Serraria, em Porto Alegre, onde morou durante quase a vida toda. Nossos caminhos se cruzaram quando ele casou com minha tia Edith, a Deth, irmã do meu pai. Juvenal foi descrito por um amigo famoso, Érico Veríssimo, como um “homem tão tímido que parecia pedir desculpas por estar vivo”. Só que o autor de “O Tempo e o Vento” complementava; “mas não se enganem diante de tanta mansidão. É homem de convicções firmes, de uma só palavra”. Tanto que acabou passando um ano na cadeia, preso pela ditadura de Getúlio Vargas, episódio sobre o qual ele pouco falava.
Gugu e Deth moravam numa casa simples, perto do rio Guaíba, e passar uns dias lá era sempre muito bom. Eu adorava conversar com ele; mesmo sendo de poucas palavras, Gugu era um homem vivido, culto e dono de um fino senso de humor. Devo a ele pelo menos três coisas que levei para o resto da vida.
A primeira foi me ensinar datilografia. Compartilhando a Hermes Baby (quem não sabe o que é, favor ir no Google e procurar por “máquina de escrever”), que ele usava para ganhar a vida, aprendi a dominar os mistérios do teclado, técnica que me ajuda até hoje a redigir meus textos. Gugu foi um mestre dedicado e paciente.
A segunda foi um trocadilho em italiano; “traduttore, traditore”, tradutores são traidores. Falava isto ao comentar a dureza de sua profissão; existem palavras e expressões que não têm equivalentes em outros idiomas, portanto todo o tradutor tem que fazer algum tipo de adaptação no texto. Isto configurava a “traição” inevitável. Até hoje uso isto em aula, quando lembro, por exemplo, que a tradução correta de “Project” não é “Projeto” e outras assim. Onde quer que esteja, tenho certeza que Gugu deve dar boas risadas quando vê as besteiras do “Google Translator”, por exemplo.
Mas a terceira e, certamente, a mais importante, veio logo depois do AI-5, que acaba de completar 50 anos de triste memória. Os ânimos estavam exaltados e eu, com meus 17 anos, desprezava tudo o que fosse “reacionário”, ou seja, a favor dos militares. E meu alvo preferencial era o escritor e jornalista Nelson Rodrigues, que assinava colunas diárias apoiando a ditadura. Obviamente, Gugu tinha muito mais razões que eu para odiar os militares e seus apoiadores. E foi isto que tornou este diálogo inesquecível para mim.
Ele chegou com o jornal na mão e me perguntou, em gauchês perfeito;
- Tu leste a coluna do Nélson Rodrigues hoje?
O gênio adolescente aqui, conhecedor profundo de todas as verdades da vida, respondeu com a arrogância peculiar;
- Não perco meu tempo com este reacionário imbecil.
A resposta veio rápida, num tom que, para um sujeito como ele, era quase agressivo;
- Pois não sabes o que estás perdendo...
E isto foi só o começo. Durante cerca de dez minutos Gugu falou sem parar (seguramente um recorde para ele) sobre a importância de ouvir as boas ideias, independente do viés político, sobre como Nélson era brilhante e tinha que ser respeitado e admirado, e mais um monte de coisas.
Quando finalmente ele voltou à sua calma e mudez habitual, o sobrinho imbecil aqui havia entendido uma grande lição; não existe dono da verdade. Ouvir o outro lado é sempre importante. Porque existem pessoas tão boas ou melhores que você que acreditam em coisas diferentes, seja o assunto política, religião, futebol ou qualquer outro. E você vai aprender com elas, sempre.
Tenho certeza que Gugu deve estar muito triste com os rumos que o Brasil tomou, com os erros da esquerda em que ele tanto acreditava e, principalmente, com a pobreza aviltante do nosso debate político atual. Pelo menos uma alegria posso dar a ele; o sobrinho aqui ouviu e aprendeu. De lá para cá sempre gostei de debater e me posicionar em todo o tipo de assunto, antes e depois da internet, e me orgulho de dizer que jamais ofendi ou deixei de ouvir alguém. Muito por força da bendita lição do meu tio comunista, que não disfarçava sua admiração por um reacionário brilhante.
Gugu, meu doce tio comunista. Saudades de você!

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

OS TORCEDORES CEARENSES PODEM DAR UMA BELA LIÇÃO AO BRASIL EM 2019

Um dos melhores livros que li foi “Como o futebol explica o mundo”, de Franklin Foer. Ele lança um olhar sobre a globalização a partir do futebol. Foer demonstra, entre outras coisas, que o futebol acabou sendo um fator importante para a integração racial na Europa; afinal, torcidas que eram abertamente racistas (e, em muitos casos, se orgulhavam disto), foram se derretendo diante do talento de craques como Drogba, por exemplo. Assim, a contratação de atletas negros, que foi até proibida durante muito tempo, tornou-se perfeitamente normal. É claro que ainda existem torcedores racistas, mas são cada vez menos representativos.
Falo tudo isto para introduzir o assunto da violência relacionada ao futebol, e o que é possível fazer para acabar com ela. O mico de nível mundial que estamos pagando neste episódio da final da Libertadores talvez possa servir como ponto de partida para uma mudança de atitude. Não custa lembrar que os hooligans ingleses eram até mais terríveis que os nossos, e patrocinaram episódios sangrentos até que as altas autoridades do país, comandadas pela própria Rainha Elizabeth, resolveram tomar providências firmes, que praticamente erradicaram o problema.
Na América do Sul, como de hábito, a palavra de ordem é permissividade. Cedemos a tal ponto que hoje encaramos com naturalidade uma situação absurda como os jogos com “torcida única”. Entendo que negar acesso a um torcedor que quer apenas ver seu time jogar é uma espécie de falência moral da sociedade. E o episódio do ataque quase homicida contra o ônibus do Boca Juniors mostra que nem isto resolve o problema da barbárie.
Com tudo isto, entendo que o povo cearense tem, no momento, uma oportunidade de ouro nas mãos. Afinal, o momento é de justo orgulho; o estado consegue, pela primeira vez, emplacar seus dois times entre os vinte da primeira divisão brasileira. E tenho certeza que o país todo estará de olho nos clássicos cearenses pelo Brasileirão.
E o que poderia ser mais bonito? Que os nossos irmãos nordestinos, tão injustamente criticados muitas vezes, mostrassem para a sociedade “do sul” que é possível realizar um clássico de futebol com disputa, emoção, festa, mas sem violência, com as duas torcidas dividindo o estádio e voltando prá casa em paz. Seria um exemplo inesquecível de civilidade, que, acredito, traria reflexos positivos para todos nós.
Enfim, pode ser só um sonho, mas, como diz o poeta, sonho que se sonha junto vira realidade... Fica a dica deste gaúcho gremista, radicado no Rio e apaixonado pelo Nordeste (mal posso esperar a próxima chamada para dar aula em Fortaleza!).

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Entre Bolsonaro e Lula, eu escolho Millor Fernandes

No triste Brasil dividido e irracional de hoje, dois grupos se digladiam na internet, na rua, na chuva, na fazenda...
De um lado há os que estão dispostos a brigar com todos os amigos e votar em candidatos que sabidamente não prestam porque é preciso “acabar com o fascismo”. Isto mais de setenta anos depois da morte de Mussolini.
Do outro lado há os que estão dispostos a brigar com todos os amigos e votar em candidatos que sabidamente não prestam porque é preciso “deter o avanço do comunismo”. Isto quase trinta anos depois da queda do muro de Berlim.
Tentando manter um mínimo de racionalidade no debate, lembro o velho e bom Millôr Fernandes, que dizia; quando uma ideologia fica bem velhinha, ela vem morar no Brasil... Complemento meu; nada mais irrelevante, no mundo de hoje, que discutir sobre fascismo ou comunismo. Só aqui, na segunda divisão do terceiro mundo.
Aliás, o mesmo Millor disse que “democracia é o sujeito poder comemorar um gol do Vasco no meio da arquibancada do Flamengo, e vice-versa”. Mais atual, impossível.
Enfim, entre ressuscitar Mussolini ou Stalin, eu prefiro Millôr. Salve o mestre!
Até a próxima,

sábado, 29 de setembro de 2018

O estranho paradoxo de um povo que exige mudanças, mas não quer mudar

Fazendo uma breve reflexão sobre as pesquisas eleitorais, o panorama do Brasil é hoje desolador.
A nível nacional, anuncia-se um segundo turno entre os dois candidatos mais conservadores do espectro. De um lado o PT de Lula, que em catorze anos de poder conseguiu levar o País à maior recessão de sua história e, de quebra, implantou um esquema de corrupção cujos números são, para dizer o mínimo, impressionantes. No outro canto do ringue um capitão grosseiro, que promete trazer de volta os bons tempos(?) da ditadura militar. Em comum os dois grupos têm a visão de que bom era o passado, e nenhum projeto para o futuro.
Afora isto, a nível estadual, alguns nomes e figurinhas carimbadas continuam com eleitorados fieis e numerosos; Garotinho, Aécio, Calheiros, Dilma... enfim, a lista é longa. Isto sem contar os clãs familiares que se perpetuam com a benção dos eleitores; só no Rio temos filhos de Cabral, Eduardo Cunha, Roberto Jefferson, Picciani e do próprio casal Garotinho ascendendo a postos importantes no congresso nacional.
A qualidade dos debates, obviamente, segue a mesma regra; há pouco tempo as redes antissociais se digladiavam para saber se o nazismo era de direita ou esquerda, mais de setenta nos depois da morte de Hitler. Mais uma vez, a fixação no passado.
Resumindo, conforme sugeri no meu livro, acho que os versos ufanistas (e altamente complexos) do hino nacional deveriam ser substituídos por um samba antigo, de um baiano genial que passou à historia sob a alcunha de Batatinha; “Se eu deixar de sofrer, como é que vai ser, para me acostumar...”.
Enfim, todo mundo quer mudanças, mas sem mexer no que está aí. Fica difícil...

domingo, 23 de setembro de 2018

Será que debate e "dedo na cara" são sinônimos?

O debate totalmente extemporâneo e inútil sobre o nazismo ser destro ou canhoto chegou às paginas do Globo na edição de sábado, 22/09/2018. E um depoimento me chamou a atenção. Uma professora que ministra aulas de história há cerca de 20 anos em uma escola de Belford Roxo (RJ) afirmou que, de uns tempos para cá, “Os alunos passaram a colocar o dedo na cara dos professores e questionar fatos históricos com bases em achismos vistos na internet”.
O que me chamou a atenção não foi o questionamento, mas sim o dedo na cara. Sou professor e adoro quando os alunos me contestam, porque um debate é sempre mais interessante do que uma aula expositiva, só que a ideia de encarar com naturalidade o “dedo na cara” me parece inconcebível.
Extrapolando o raciocínio, entendo que este é um dos grandes problemas brasileiros; confundimos debate com dedo na cara. As grandes nações são forjadas no debate e na troca de ideias, na tese e antítese, no questionamento contínuo. Sem dedo na cara, por supuesto.
Não é preciso ser um gênio em politica para entender que é por isto que chegamos hoje a uma eleição polarizada entre um grupo que apoia cegamente um corrupto que está na cadeia e outro grupo que apoia cegamente um cara que idolatra torturadores. Tenho certeza que nenhum dos dois é uma boa solução para o Brasil, mas não temos debate, só dedo na cara.
Fé cega, faca amolada

domingo, 16 de setembro de 2018

As eleições e a triste escolha que vamos ter que fazer

Faltando três semanas para a eleição presidencial, as projeções das pesquisas ainda são nebulosas para o provável segundo turno. Bolsonaro vai estar lá, é quase certo, mas contra quem?
Neste ponto, entendo que cabe uma reflexão. A rejeição ao nome de Bolsonaro é histérica, mas eu – que não sou simpatizante dele, quero deixar claro – acho que chegou a hora de pensar de forma prática e objetiva, deixando preconceitos de lado.
Tive a pachorra de ouvir algumas falas do “Mito” – não deixa de ser um exercício de paciência, muitas vezes – e tirei uma conclusão; ele é realmente grosseiro, fã de torturadores, mas é preciso admitir que, em mais de vinte anos de vida pública, não pesa contra ele ou seus filhos qualquer acusação consistente de corrupção ou enriquecimento ilícito. E também jamais disse que pretende voltar com a ditadura militar ou algo parecido.
Já os partidos que chamaríamos de “esquerda” (PT e seus genéricos), deixam claro que seu primeiro ato, caso eleitos, será rasgar a constituição, achincalhar o Judiciário e tirar da cadeia Lula e os amiguinhos que estão presos por roubo e corrupção. Controlar a mídia e a liberdade de expressão não está descartado. Enfim, é a revanche do AI-5; quem é da nossa gangue pode tudo, e aí dos subversivos que quiserem salvar o Brasil de outro jeito! Ora, o nome técnico disto é ditadura. Tão ignóbil quanto a dos militares.
Resumindo, é quase certo que teremos que escolher entre um dos demônios acima. Sim, existe o Ciro Gomes, mas este pode ser o pior dos mundos; um cara tão grosseiro e destemperado quanto Bolsonaro, e com uma sede de poder que talvez o leve a aceitar a ideia de indultar Lula em troca dos votos da “esquerda”. É o que penso dele, posso estar errado.
Enfim, salvo novas facadas, canetadas ou intervenções divinas, este é o quadro. Não é grande coisa, mas é o que temos para o momento.
Que Deus ilumine a nossa escolha...

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Os “Trumpistas enrustidos” enganaram as pesquisas. Pode acontecer o mesmo com Bolsonaro...

Às vésperas da última eleição americana, todos os institutos de pesquisa de lá indicavam a vitória de Hillary Clinton sobre Donald Trump. A margem era estreita, mas garantida. Na hora da verdade, todo mundo sabe o que aconteceu; o topetudo escroto derrotou a princesinha do politicamente correto, para horror da plateia. E o mais incrível é que o governo dele, apesar dele, está dando certo; pelo menos a economia (que é o que conta), vai muito bem.
Li, não sei onde, uma teoria que me pareceu bem consistente; a repulsa histérica que cercava o nome de Donald Trump era tão grande que boa parte de seus eleitores omitia a sua escolha até para os pesquisadores e estatísticos. Como cantava a grande Amália Rodrigues, em um fado inesquecível, “de quem eu gosto, nem às paredes confesso...”. Pois os eleitores de Trump não confessavam, mas, na solidão da cabine, viraram o jogo.
Creio que o fenômeno pode se repetir com Bolsonaro. As reações a seu nome são histéricas e, muitas vezes, beiram o irracional. É claro que existem os que assumiram sua opção, sem medo do linchamento moral; são os vinte e tantos por cento do eleitorado que, praticamente, asseguram sua presença no segundo turno.
E é exatamente no segundo turno, onde Bolsonaro sempre aparece como perdedor, que eu vejo o fantasma do “eleitor enrustido”; afinal, é muito menos perigoso para a vida social de alguém dizer que vota em qualquer um, menos nele, do que assumir algo do tipo “se for para eleger um coronelão que nem o Ciro, aí vou de Bolsonaro e f(*)-se!” (isto vale para Marina, Alckmin, Haddad ou até o Lula, se acontecer ainda).
Resumindo; acho que a chance de Bolsonaro ganhar o segundo turno é muito maior do que se pensa. E tenho certeza que a maneira mais burra de combatê-lo é xingando os seus eleitores.
Quem viver, verá.

domingo, 26 de agosto de 2018

Claudiomiro, as Brahmas da Polar e a lembrança de um tempo menos neurótico

Da série “depois de velho eu virei sentimental”;
Fiquei emocionado com a morte de Claudiomiro, um dos maiores centroavantes da história do Internacional e autor do primeiro gol do Estádio Beira-Rio, em 1969. E o que me emocionou foi lembrar uma historinha folclórica dele, da qual sou testemunha.
Na Porto Alegre da época havia um programa esportivo conhecido; Jogo Aberto, na extinta TV Difusora. O programa era patrocinado pela cerveja Polar, até hoje uma das melhores do Brasil, e o jogador escolhido como “o melhor da rodada” ganhava uma caixa de cervejas.
O problema é que a liderança de mercado da onipresente Brahma era tão grande que o pessoal já tinha criado o hábito de usar Brahma como sinônimo de cerveja. O papo era; domingo vamos tomar umas Brahmas (que podia ser de qualquer marca).
Pois o nosso bom Claudiomiro ganhou o prêmio e, na hora de agradecer, com o programa ao vivo, lascou esta; “Queria agradecer à Polar pela caixa de Brahma que me mandou...”. Quase morri de rir vendo a cara dos apresentadores. No dia seguinte, sacaneamos muito os amigos colorados com a mancada do ídolo deles.
Mais do que um “causo” divertido, esta história marca prá mim uma época em que o mundo era mentalmente mais saudável. Sim, um jogador podia ganhar cervejas de presente, sim, a gente curtia com a cara dos outros torcedores e eles com a nossa e tava tudo bem, sim, jogadores falavam coisas erradas e tava tudo certo.
Hoje, a pressão doentia das redes antissociais e do terrível “politicamente correto” obriga jogadores a ter assessores que orientam o que pode e o que não podem falar, porque qualquer erro pode virar cavalo de batalha para gente estúpida e cheia de ódio no coração.
Vai em paz, meu bom Claudiomiro. Tenho certeza que lá no paraíso estão te esperando com uma caixa de Brahma da Polar, bem gelada.
Até a próxima!

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Lulistas e Bolsonarianos têm uma coisa em comum; o desprezo pelas instituições democráticas. E isto é um perigo

O cenário polarizado e grosseiro que envolve a atual campanha eleitoral deriva, de certa forma, da visão totalitária dos seguidores dos dois nomes mais importantes do cenário; o candidato Bolsonaro e Lula, o candidato a candidato.
Bolsonaro pelo menos é sincero e explícito; apoia abertamente a volta da ditadura militar, torce o nariz para tudo o que represente “direitos humanos”, cita torturadores como exemplos de conduta... Enfim, quem vota nele sabe exatamente o que ele pensa.
Já os que exigem a libertação de Lula são um pouco mais sutis, mas não menos perigosos. Afinal, acreditar que a condenação de Lula é um gesto político e não se baseia em provas reais significa pensar que o todo o sistema judiciário brasileiro não vale nada. E não é preciso ser um gênio para saber que a primeira coisa que qualquer regime ditatorial faz é acabar com o judiciário e estabelecer suas próprias leis. Juntando A com B...
Outro sintoma desta distorção pode ser visto na devoção que a maioria dos Lulistas tem por Fidel Castro. Não há como negar o carisma e a força de Fidel como líder, mas, por outro lado, é preciso entender que ele sempre foi um ditador, incapaz de conviver com o contraditório. Isto o coloca num nível muito abaixo de verdadeiros líderes democráticos, como Churchill e Mandela, só para citar dois. Resumindo; quem louva a trajetória de Fidel Castro não acredita em soluções democráticas, simples assim.
Enfim, o que une os dois lados aparentemente opostos desta moeda é o fascínio por líderes messiânicos e a incapacidade de conviver com quem ousa ter opiniões diferentes. Um lado quer a volta da ditadura dos militares, o outro acredita que Lula é o ditador “bonzinho e amigo do povo” que vai transformar o Brasil na grande e feliz Cuba dos sonhos deles.
O que me deixa mais preocupado é que, somados, Lulistas e Bolsonarianos representam mais da metade dos eleitores brasileiros. A conclusão é triste; democraticamente, a maioria dos brasileiros decide que é contra a democracia. Como é que a gente sai desta?
Quem viver, verá.

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Neymar tem que tomar uma decisão na vida

Da série “um homem de moral, não fica no chão...”;
2018 não foi exatamente um ano de sonhos para o nosso craque Neymar. Contratado para ser o craque do PSG acabou tendo um desempenho irregular ao longo do ano, depois sofreu uma lesão séria e, na Copa do Mundo, sua imagem ficou marcada muito mais pelas simulações do que por grandes jogadas. E acabou não arrumando vaga nem entre os dez indicados para o prêmio de melhor jogador do ano. Dizem as más línguas que o único prêmio que ele poderia cobiçar atualmente seria o “Troféu Cigano Igor”, de pior ator do mundo (no caso ele e a Bruna Marquesini poderiam concorrer na categoria dupla mista, com boas possibilidades).
Acho que chegou para Neymar o momento de decisão na vida e na carreira; ou ele resolve manter o comportamento de adolescente mimado e vai ser apenas mais uma promessa de supercraque que não vingou, ou encara uma virada firme e vira um profissional de verdade, que será um sério candidato a melhor jogador de sua geração, porque bola prá isto ele tem.
Um bom exemplo para ele pode ser o Cristiano Ronaldo. Na Copa de 2006 o então jovem e promissor português saiu com a fama de cai-cai, desleal e arrogante. CR7 aprendeu a lição e hoje já tem seu nome gravado em letras de ouro na historia do futebol, um craque e um líder digno de ser citado junto a Pelé, Maradona e mais uns poucos em qualquer lista de melhores de todos os tempos.
Espero, sinceramente, que Neymar faça a opção certa. Seria bom prá ele e para nós, torcedores brasileiros.
Quem viver, verá.

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Zico, Modric e os deuses do futebol; dois craques, duas histórias diferentes

Não sei se muita gente reparou nisto, mas nesta Copa tivemos uma história envolvendo um extraordinário camisa 10 que repetiu, com um final diferente, um episódio de 32 anos atrás.
México, 1986, quartas de final, Brasil x França. Jogo empatado, e de repente Zico enfia uma bola genial para Branco que vai marcar mas é derrubado pelo goleiro. Zico bate o pênalti... e perde. O empate sobrevive à prorrogação e o jogo vai para os pênaltis. Corajoso, como deve ser um líder de verdade, Zico não se deixa abater pelo erro cometido, se oferece para chutar e converte com perfeição. Infelizmente Sócrates e Júlio Cesar perdem suas cobranças, o Brasil é derrotado, volta prá casa e Zico carrega por muito tempo a marca (injusta) de responsável pela eliminação em sua última copa como jogador.
Rússia, 2018, oitavas de final, Croácia x Dinamarca. A prorrogação está quase em seu final quando o craque Modric descola um lançamento preciso para Rebic, que passa pelo goleiro mas é derrubado diante do gol vazio. Capitão e craque do time, Modric bota a bola embaixo do braço, vai para a marca e... bate ridiculamente mal, proporcionando uma defesa firme do goleirão Schmeichel. Decepcionados, os croatas vão para a decisão por pênaltis. Tão líder e craque quanto o Zico de 86, Modric encara o desafio e converte a sua cobrança. Só que, por capricho dos deuses do futebol, o goleiro Subasic pega três chutes dinamarqueses, a Croácia ganha, vai em frente e chega a um surpreendente vice-campeonato. De quebra, Modric é coroado (com justiça) o craque da Copa.
O que isto prova? Rigorosamente nada, apenas que o futebol é fascinante justamente por envolver elementos de imprevisibilidade que só podem ser atribuídos a deuses caprichosos e apaixonados. Zico, o castigado, era um líder acostumado a levar à vitória um time do Flamengo que até os não-flamenguistas, como é o meu caso, lembram com saudades (eu sou do tempo em que, acima da torcida pelo meu clube, estava o amor pela arte do futebol. E aquele Flamengo era fantástico). Os deuses do futebol não concederam a ele e sua grande geração, que incluía Falcão, Sócrates, Éder e o técnico Telê, entre outros, sequer a honra de uma final de Copa do Mundo. Já Modric, o escolhido da vez, está acostumado a fazer um trabalho de operário em um time onde os galácticos são Cristiano Ronaldo, Sérgio Ramos, Kroos e outros. Mas mostrou grandeza e força quando precisou liderar seus irredutíveis companheiros em uma jornada gloriosa. Talvez isto tenha agradado aos deuses.
A lição aprendida é; a liderança tem várias faces e, muitas vezes, aquele baixinho com cara de fuinha, que não cobre o corpo de tatuagens nem ostenta penteados esdrúxulos, não produz lances cinematográficos mas joga com simplicidade e eficiência, pode se mostrar o maior de todos os guerreiros, quando é necessário.
Quanto aos deuses do futebol... bem, eles têm suas próprias regras. Talvez achassem que Zico já tinha ganho muito. E que o mundo precisava conhecer melhor o talento de Modric.

sexta-feira, 29 de junho de 2018

Não temos mais líderes dentro do campo. E a culpa não é dos jogadores

Esta imagem, de 1958, virou um ícone para os brasileiros, dentro e fora do futebol; um país com fama de vira-lata e amarelão nas decisões chega à final da Copa contra a anfitriã Suécia – e já leva um gol com apenas quatro minutos de jogo! Antes que o pânico tomasse conta de todos o meia Didi, então o craque do time (favor lembrar que Pelé era um adolescente, ainda), pega a bola no fundo das redes e vem trazendo-a para o meio de campo, falando para os colegas; calma, nós somos muito melhores e vamos ganhar fácil. O fim da história todo mundo conhece, goleada de 5x2 e o inicio de uma trajetória de sucesso do futebol brasileiro.
Corta para 2002; na estreia na Copa, finalzinho de um jogo complicadíssimo contra a Turquia, 1x1 no placar e o arbitro nos presenteia com um pênalti que, seguramente, não resistiria ao VAR caso existisse na época. O técnico Felipão tinha dois batedores; Ronaldo Fenômeno (que já não estava mais em campo) e Ronaldinho Gaúcho. O próprio Felipão contou que olhou para o dentuço e não sentiu muita firmeza de parte dele. No meio da indecisão, Rivaldo incorporou o Didi de 58, botou a bola embaixo do braço, olhou para o técnico e disse; deixa comigo, professor. Felipão deixou e Rivaldo bateu com perfeição. Ali começava o penta.
E agora, em 2018, o que temos? Não sei se é impressão minha, mas acho que, se por um acaso o técnico Tite for abduzido por marcianos e desaparecer no meio do jogo, o time vai parar de jogar. Não vejo nada parecido com Didi, ou Gerson, ou Carlos Alberto, nem mesmo um Dunga ou um Cafu. E tenho uma teoria sobre isto.
O problema é que quase todos estes garotos têm uma história semelhante; vindos de uma origem humilde, são subitamente promovidos a ídolos e, muitas vezes ainda adolescentes, deixam o país ganhando fortunas consideráveis. Nada contra isto, é claro, mas o fato é que esta transição acaba castrando o desenvolvimento da personalidade necessário para a criação de um líder; o dinheiro vem muito rápido (por favor, nunca digam que vem fácil, eles são talentosos, esforçados e não estão roubando ninguém), e a mudança precoce para um ambiente estranho faz com que eles acabem adquirindo uma personalidade frágil e conformada. A lição é; joga a tua bola, ganha a tua grana e cala a boca. Some-se a isto o ambiente doentiamente policialesco desta praga chamada “redes sociais”, e temos um bando de jovens milionários que só são capazes de repetir os bordões “politicamente corretos” que são ditados pelos seus incontáveis assessores.
Não consigo enxergar nem mesmo um protótipo de líder dentro do nosso time. Thiago Silva talvez seja o que mais se aproxima disto, mas o descontrole emocional que demonstrou em 2014 ainda pesa muito contra ele. Neymar poderia ser este líder, só que, neste aspecto, ele me lembra muito o Ronaldinho Gaúcho; um par de pés geniais, a serviço de uma cabeça conturbada. Não resolve. O próprio “rodizio de capitães”, promovido pelo técnico Tite me parece um reflexo desta situação toda; procura-se um líder.
Enfim, torço sinceramente para que dê tudo certo e o hexa venha, mas vejo com muita preocupação o fato de que não temos um só jogador que pareça capaz de botar a bola embaixo do braço e resolver a parada, quando as coisas não estiverem indo bem.
Quem viver, verá.

terça-feira, 29 de maio de 2018

DISCORDAR É UMA COISA, AGREDIR É OUTRA. QUANDO É QUE VAMOS APRENDER?

Um episódio ocorrido em uma greve é uma das lembranças mais vivas que tenho dos meus quase quarenta anos de Petrobras. O ano era 1991, o presidente era Fernando Collor e nós, funcionários da Petrobras, carregávamos a imagem de vilões do Brasil – os alvos preferidos do então conhecido como “caçador de marajás”, se é que alguém ainda se lembra disto.
Só que a vida real era muito diferente, nosso poder aquisitivo definhava e em setembro, mês do dissidio, recebemos uma proposta indecorosa de 30% de aumento (a inflação já passava de 100% ao ano).
Entramos em uma greve difícil, impopular. E foi no final de um dia muito desgastante, numa assembleia em frente ao EDISE, no centro do Rio de Janeiro, que um carro da Rede Globo estacionou e dele desceu uma equipe de reportagem.
Na época, assim como hoje, havia entre nós pessoas que responsabilizavam a Globo por tudo de mal que existia no País (eu não concordo muito com esta tese, mas esta discussão fica para outro dia). Os ânimos já estavam exaltados e alguns colegas começaram a ensaiar uma vaia para cima deles.
Neste momento, um colega do sindicato tomou o microfone do carro de som e falou; “Pessoal, ninguém aqui gosta da Globo, mas estes caras são trabalhadores como nós. Vamos deixar eles trabalharem”. Não lembro se as palavras foram exatamente estas, mas poucas vezes na vida vi alguém ter uma atitude tão inteligente e oportuna. Ninguém mais incomodou os caras, acho até que alguns deram entrevista e tudo acabou em paz.
Hoje, quando vejo a covardia feita com alguns jornalistas, principalmente com mulheres (desculpem, mas sou do tempo do cavalheirismo explícito), não posso deixar de lembrar este episódio.
E a conclusão, triste, é que andamos muito para trás. O brasileiro simpático e cordial sumiu (na verdade, não sei se ele realmente existiu algum dia ou se isto não passa de uma crendice popular, como o Saci Pererê ou algo assim). Viramos trogloditas. Trabalhador contra trabalhador, povo contra povo. E o pedido que alguns fazem por uma intervenção militar é a “cereja” deste bolo fecal; é a confissão de fracasso de um povo, significa que não conseguimos conviver com nós mesmos, não sabemos lidar com a liberdade nem com a diversidade de opiniões, preferimos pedir que alguém tome conta da gente. A única perspectiva boa é que tenho certeza que nem os militares vão querer descascar este abacaxi.
Enfim, não sei onde isto vai parar. Mas o sentimento é de derrota. Muito pior que os 7x1.

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Há exatos sessenta anos o Brasil ganhou a sua primeira Copa do Mundo com planejamento meticuloso e obediência tática. Alguém já te contou esta historia?


Sim, você já ouviu o seu avô dizendo que o Brasil ganhou a Copa de 58 sambando com a bola no pé – tinha até uma musiquinha ufanista da época que dizia isto. Um time que jogava prá frente, e foi o único a fazer cinco gols em uma final de copa. A parte dos cinco gols na final é verdadeira, mas a história toda não é bem assim. Em ano de copa, aproveito para contar este causo na sua versão verdadeira, que é bem diferente da que foi consagrada. De certa forma posso dizer que fui testemunha ocular, afinal, tinha seis anos na época e sempre fui fanático por futebol.
A história, na verdade, começa algum tempo antes. Só para ter uma ideia do nível de amadorismo dos nossos cartolas de então, na Copa de 1954, na Suíça, o último jogo do Brasil na fase de grupos foi contra a Iugoslávia. O empate classificava os dois times – só que ninguém na delegação brasileira sabia disto. O resultado é que o jogo foi 1x1 e o nosso time se esforçou até o final buscando uma vitória que era totalmente desnecessária. Diz a lenda que o capitão iugoslavo Mitic, que arranhava alguma coisa em português, sem entender porque os brasileiros estavam se matando em campo, começou a dizer, baixinho, para quem passava perto dele; “empate é bom... empate é bom...”. Foi só no vestiário que o time ficou sabendo que estava classificado. No jogo seguinte, contra a poderosa Hungria de Puskas, o desgaste inútil, aliado à qualidade do adversário, resultou numa derrota por 4x2 e eliminação.
O resultado deste vexame, somado ao de 1950, já cantado em prosa e verso, fez com que a então CBD (Confederação Brasileira de Desportos – ainda não havia a CBF), tomasse providências interessantes. O recém-empossado presidente João Havelange resolveu que, para a Copa de 58, não teríamos apenas um treinador cuidando de tudo, como era o normal na época; formou-se uma comissão, incluindo, além do técnico Vicente Feola, um preparador físico (Paulo Amaral), um médico (Dr. Hilton Gosling), um dentista (Dr. Mário Trigo) e até um psicólogo (Professor Carvalhaes).
Pausa para falar em João Havelange; considero-o um dos maiores dirigentes esportivos da história do Brasil e do Mundo. A transformação do futebol no negócio bilionário que é hoje teve nele seu principal articulador. Administrador brilhante, quase genial, eu diria. Infelizmente se deixou levar por outros interesses e acabou muito mal a sua trajetória, mas isto é outro papo. Fecho o parêntese.
Inteligente, Havelange foi provavelmente o primeiro a entender que os brasileiros tinham técnica para enfrentar qualquer time do mundo; o problema era a falta de condições físicas e psicológicas. Nossos jogadores, em sua esmagadora maioria, vinham do Brasil do Jeca Tatu; tinham focos dentários, doenças infecciosas e uma preguiça macunaímica para exercícios físicos. Mário Trigo arrancou dezenas de dentes podres, Hilton Gosling cuidou até da alimentação deles, o rigoroso Paulo Amaral deu-lhes um condicionamento privilegiado e Carvalhaes teve a tarefa de convencê-los que eles não eram a pátria de chuteiras; iam apenas jogar um campeonato de futebol. A descontração, dizem, era muito auxiliada por Mário Trigo que, além de bom dentista, era, segundo informações da época, um excelente contador de “causos” e anedotas.
Nova pausa para falar no ambiente da época. O Brasil não conseguia passar de uma espécie de “terceira força” do continente; os uruguaios eram bi-campeões do Mundo e os argentinos os donos da Copa América (então chamado “Sul-Americano”). Entre os argumentos que tentavam justificar os nossos consecutivos fracassos, chegou-se a levantar a hipótese que o mal era que jogadores negros ou mestiços não tinham equilíbrio emocional para disputar jogos decisivos (?). Coincidência ou não, o time que estreou na copa de 58 tinha apenas um negro, Didi (no caso porque o reserva dele, Moacir, também era negro). Em todas as outras posições do time, o escolhido era o que tinha a pele mais clara; isto deixou de fora , entre outros, Djalma Santos, Zito, Pelé, Garrincha e Vavá, que acabaram entrando ao longo do campeonato. Até hoje não se sabe se o motivo foi este mesmo ou é apenas mais uma teoria conspiratória, mas...
Sabendo dos traumas, Feola e seus colegas resolveram estruturar o time de forma a evitar sofrer gols, coisa muito pouco usada em uma época de futebol muito mais ofensivo. A qualidade do grupo era muito boa, e o Brasil montou uma defesa fortíssima, com o excelente goleiro Gilmar, uma dupla de zaga entrosada no Vasco (Bellini e Orlando), um super-craque na lateral esquerda (Nilton Santos) e um marcador implacável na direita (De Sordi). Os jogadores de meio-campo (Dino Sani, mais tarde substituído por Zito, e Didi) ajudavam sempre, e o ponta-esquerda Zagalo, dono de um fôlego invejável, ajudava na recomposição defensiva (muito antes deste termo entrar em moda).
O fato é que o Brasil estreou na fase de grupos enfiando 3x0 na Áustria, depois protagonizou contra os ingleses o primeiro 0x0 da história das Copas, e fechou com um 2x0 contra os soviéticos, na partida eu marcou a estreia de Pelé e Garrincha. Nas quartas de final (vale lembrar que o torneio, na época, tinha apenas 16 times), foi a vez do País de Gales; outro jogo duro, 1x0 com um golzinho chorado de Pelé quase no fim da partida. Quatro jogos, sete gols a favor e zero contra, uma marca totalmente fora do contexto da época. Só para ter uma ideia a França, nossa adversária na semifinal, tinha, nos mesmos quatro jogos, a marca de 15 gols a favor e 7 contra, incluindo um incrível 7x3 nos paraguaios, no seu jogo de estreia. Não por outra coisa este jogo foi anunciado como o duelo entre o alegre e ofensivo futebol dos franceses e a feroz retranca brasileira.
Na hora da verdade, o Brasil fez um gol logo de cara, mas o genial atacante francês Just Fontaine conseguiu, finalmente, vazar a meta brasileira e deixou tudo igual. O jogo tinha um leve predomínio do Brasil quando, próximo dos 30 minutos, um incidente mudou a historia da partida; numa dividida forte com Vavá, o zagueiro francês Jonquet fraturou a perna. Como não havia substituições, a França ficou com um a menos, e o pior é que seus jogadores de frente não tinham o menor cacoete de marcar. Não tendo como recompor a defesa, eles assistiram Pelé fazer três gols no segundo tempo e o Brasil chegar a uma vantagem de 5x1 (no finalzinho Piantoni ainda diminuiu, fechando o placar em 5x2). Uma goleada totalmente fora do contexto normal de um jogo que poderia ser bem mais difícil.
Na final o Brasil pegou o time sueco, que era muito mais fraco que o francês (e, dizem as más línguas, só chegou lá graças a “apitos caseiros” nos jogos contra União Soviética e Alemanha, que tinham equipes bem melhores). Além disto, tivemos finalmente a participação de Djalma Santos, que substituiu o esforçado De Sordi na lateral direita e deu um verdadeiro show de técnica em jogadas com Garrincha. Nem mesmo o surpreendente gol de Liedholm, aos quatro minutos de jogo, abalou os brasileiros, que viraram e golearam com facilidade.
Resumindo, o que passou à historia foi a seleção da ginga, do samba, das goleadas – que só aconteceram nos dois últimos jogos. Mas quem levou o Brasil àquela conquista foi muito mais a seleção do planejamento e da obediência tática.
Reflexão final; por algum motivo que eu não consigo entender, parece que o brasileiro prefere se orgulhar do improviso e do tal “jeitinho” do que ficar feliz com um projeto muito bem planejado e executado. Vá entender...
E quem quiser que conte outra!

terça-feira, 10 de abril de 2018

"Jornalistas livres". Livres de quê?

Da velha e tradicional série “perguntar não ofende”;
Um grupo bastante ativo na internet em defesa das ideias de Lula e do PT é um que se intitula “Jornalistas Livres”.
Fiquei sabendo da existência do grupo quando um bom amigo me repassou um artigo em que eles tentavam provar, usando umas estatísticas meio esquisitas, que a fuga em massa de venezuelanos para o Brasil é uma mentira, inventada provavelmente por aquela rede de TV cujo nome, assim como o do vilão de Harry Potter, não deve ser pronunciado (só vou dar uma dica; é xará de uma agua sanitária e de um biscoito muito popular). Quem quiser conferir está lá (ver https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/702692683187945).
Confesso que não acreditei nem um pouquinho nesta história, mas entendo que cada um tem o direito de mostrar as coisas do seu jeito afinal, conforme diz o senador da República e filósofo ocasional Romário Farias, “Falar, até papagaio fala”.
A dúvida que se instalou em meu espírito refere-se ao nome do grupo, “Jornalistas Livres”. Livres de quê, exatamente? Então existem “Jornalistas Presos” e ninguém me contou nada? Até onde sei, no Brasil, isto aconteceu nos tempos da ditadura militar, de memória nem um pouco saudosa. Hoje, este tipo de perseguição política só acontece em países como Cuba, Coreia do Norte e outros – cujos regimes, por estranho que pareça, parecem gozar da simpatia dos tais “Jornalistas Livres”... Freud deve explicar. Eu não sei, nunca li Freud.
Enfim, quero deixar clara a minha posição em favor de todos os jornalistas livres do Brasil, seja qual for a merda que eles falem!
Que se publique merda, que se leia merda, e que cada um selecione a merda que lhe convém. Só não vale jogar merda na cara dos outros.
Egalité, Fraternité, Liberté e Merdé. É o recado aqui do Hervé (rimou!)
Tenho dito.

sábado, 17 de março de 2018

De Luther King a Marielle Franco; a luta negra demais continua

Da longa série “será que a gente tem que explicar tudo?”;
“Cada negro que for, mais um negro virá, para lutar, com sangue ou não, com uma canção, também se luta, irmão”.
Em 1967, Wilson Simonal e Ronaldo Bôscoli juntaram seus talentos e compuseram o “Tributo a Martin Luther King”, de onde tirei a frase acima (ver a soberba interpretação do Simona em https://www.youtube.com/watch?v=FH0Ws4Sw0ZE) . O brutal assassinato de Luther King, pouco mais de um ano depois, fez com que a canção virasse quase um hino à integração racial, cantado com fervor por todos os inimigos do racismo, entre os quais este que vos fala (então com 16 anos). Meio século depois, o estúpido crime contra a vereadora Marielle me trouxe tudo isto de volta.
Antes que alguém diga que milhares de pessoas são mortas todos os dias, gostaria de levantar um ponto; um assassinato politico tem outra dimensão. Claro que não sou insensível à violência urbana ou no campo, mas matar friamente alguém apenas porque ousa levantar a voz contra uma situação vigente é muito pior, pelo menos na minha visão. É um crime contra a liberdade de pensamento. E o pensamento é o que empurra a humanidade para frente.
Não concordo com as teses do PSOL, provavelmente jamais votaria nesta moça, mas tenho certeza que ela era sincera em tudo o que dizia e fazia. Costumo dizer que não existe a luta dos negros, das mulheres ou dos homossexuais; existe a luta pela melhora do mundo. Não vejo Martin Luther King como um herói da raça negra; é um herói da raça humana, à qual eu também pertenço, até prova em contrário. Em outras palavras, ele não melhorou a vida de um grupo, tornou o mundo melhor para todos. É claro que existem racistas até hoje, mas é uma espécie cada vez mais em extinção. A realidade vai acabar passando por cima deles, é questão de tempo..
Por pensar assim, fico chocado quando vejo gente fazendo piadas com o assassinato. E também com gente que tenta tirar proveito político da situação – como alguns que dizem que os que mataram Marielle são os mesmos que querem prender Lula. Sem comentários...
Resumindo, a justa luta de Marielle continua. Porque, conforme ensinava a mesma canção, “luta negra demais, é lutar pela paz, para sermos iguais”. A luta é pela paz, pela liberdade de expressão. E nesta luta negra demais, todos são irmãos e iguais – o que inclui até um sujeito idoso, branco, heterossexual, engenheiro, gremista, espírita e fã do capitalismo, que nem eu.
Espero que me entendam.

quinta-feira, 1 de março de 2018

Reflexões sobre um aviso muito direto (ou; a triste história de um pastor de caranguejos)

A placa que ilustra este texto teria sido colocada por traficantes em uma favela do Rio de Janeiro. É um típico caso de “seria cômico, se não fosse trágico”. Seguramente os traficantes não estão preocupados com o meio ambiente, ou com a possibilidade do lixo acumulado produzir enchentes, estão apenas facilitando a organização dos seus negócios. E, conhecendo a indisciplina que caracteriza o brasileiro (e o carioca em especial), deixam bastante claro que, em caso de desobediência, o cara vai levar um tiro na mão. Nada muito violento (para os parâmetros deles, é claro), apenas uma lembrança para o resto da vida. Não é preciso dizer que a área está imaculadamente limpa.
Uma história puxa outra, e recordo o causo do japonês e do quebra-molas, que me foi contado por um amigo. Ele trabalhava em uma multinacional com sede no Japão. Um dia o “big boss” da empresa resolveu vir ao Rio de Janeiro conhecer a filial daqui, e coube a este meu amigo o trabalho de cicerone. O japa ficou hospedado no então Hotel Meridién, em Copacabana. De manhã cedo meu amigo passou por lá e foi levando o chefão para a fábrica, em Jacarepaguá. Como todos os estrangeiros que chegam pela primeira vez no Rio, o cara estava muito impressionado com as belezas da cidade, sempre maravilhosa.
O papo vinha tranquilo até que, próximo à fábrica, tiveram que reduzir a velocidade do carro para passar em um quebra-molas. Depois veio um segundo, um terceiro... até que o japonês não aguentou mais e perguntou porque colocavam aquilo no meio da rua. Meu amigo respondeu o óbvio; aquilo estava ali para obrigar os carros a reduzir a velocidade. Singelamente, o japonês perguntou se não era mais fácil colocar uma placa indicando a velocidade máxima. Neste momento meu amigo fingiu que não ouviu e tentou mudar de assunto. Como explicar o inexplicável?
O resumo da história é bastante triste, para nós todos; nenhum povo civilizado entende porque no Brasil as pessoas não conseguem ter o mínimo de disciplina, pensar o mínimo nos outros, obedecer às regras mais elementares. O reflexo deste comportamento nos nossos projetos é o absurdo aumento dos custos; é muito mais caro um quebra-molas do que uma placa, mas se ninguém obedece à placa... Esta desobediência obriga a controles pesados. E é por isto que temos leis complicadíssimas, fiscalização pesada, enfim, toda uma parafernália que se reflete em ineficiência e custos excessivos.
Lembro que uma vez, ao lidar com uma equipe extremamente rebelde, usei a expressão “pastor de caranguejos” para descrever o meu trabalho com eles. Eu me desgastava o tempo todo tentando levar adiante um projeto, enquanto cada um do time queria fazer do seu jeito. Se eu não consegui resolver o problema (e nenhum gerente no Brasil consegue, basta ver os nossos resultados), os traficantes deram um jeito bem objetivo; com um AR-15 na mão do gerente as pessoas subitamente se tornam educadas e dispostas a seguir as regras.
A pergunta é; será que tem que ser deste jeito? Talvez eu esteja viajando na maionese, mas me parece que o fato de uma percentagem significativa da população brasileira hoje apoiar ostensivamente a volta da ditadura militar tem a ver com isto. Particularmente, considero esta posição um retrocesso vergonhoso, mas o fato é que não aproveitamos os trinta anos de democracia que tivemos para aprender a debater com educação, conviver com civilidade e obedecer às regras. E quando o caos se instala, a quartelada aparece como uma solução. Quem não aprende por bem, acaba aprendendo por mal, já dizia a minha sábia avó, lá de Santa Maria da Boca do Monte.
Enfim, quem viver, verá.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

A liturgia dos Lulistas

Da série “Rir é o melhor remédio”;
Já que os fiéis seguidores de Lula prometeram ficar em frente ao tribunal em Porto Alegre no dia 24, e sei que o calor lá não dá moleza nesta época do ano, resolvi sugerir alguma coisa para eles fazerem para passar o tempo. Já que o “Lulismo” cada vez mais se assemelha a uma religião fundamentalista (ou crê, ou morre), sugeri uma liturgia, tipo uma missa campal. Obviamente, teremos que ter um cumpanheiro Líder, que vai fazer as vezes do sacerdote. A coisa ficou mais ou menos assim;
Parte 1) Oração de Abertura;
(Sacerdote, ou Cumpanheiro Líder); Creio em Lula, o que veio nos salvar, a alma mais pura, casta e honesta deste País;
(Todos); Eu acredito!
S – Eu acredito nas palestras de 200 mil dólares!
T (de joelhos) – Eu acredito! Eu acredito!
S – Eu acredito que, mesmo sendo o Presidente da República, Nosso Guia nunca soube nem se envolveu em nenhum dos escândalos de corrupção que aconteciam à sua volta!
T – Eu acredito! Eu acredito!
S – Acredito que Lulinha, herdeiro do Sagrado Sangue do Nosso Mestre, enriqueceu porque é o Ronaldinho Gaúcho dos negócios!
T – Eu acredito! Eu acredito!
Parte 2) Das maldições;
S – Morte ao Juiz Sérgio Moro, e a todo judiciário brasileiro, que ousou julgar Nosso Guia e, pior que isto, agora quer condená-Lo!
T (com cara de mau e dedo em riste) – Morte ao Judiciário! Morte ao judiciário!
S – Morte aos companheiros traidores que apontaram vários fatos que contrariaram a Santa Inocência de Nosso Guia!
T – Morte aos fatos! Morte aos fatos!
S – Que a santa aura de Nosso Guia me impeça de ouvir qualquer coisa inventada pelo demônio, pela imprensa golpista ou pela tal de zelite e me faça raciocinar e duvidar d’Ele!
T – Morte ao raciocínio! Morte ao raciocínio!
Parte 3) Das bênçãos e cântico final (inspirado numa linda canção do Chico Buarque);
S – Nosso Guia sobreviverá a tudo e todos, e nos trará a bonança no Seu Sagrado terceiro mandato. E, ao contrário da cumpanheira Dilma, aquela que Ele mal conhecia e nunca apoiou e que só fez merda, vai trazer o País de volta ao caminho certo. Em Lula, com Lula e por Lula!
T (de joelhos) – Santo! Santo! Santo!
S – Cantemos todos em coro;
T – Ai esta terra ainda irá cumprir sua sina bela / ainda irá tornar-se / uma enorme Venezuela!
Todos; Amém!
(Repetir esta liturgia 400 vezes, ou até acabar o julgamento, o que vier primeiro).
Se alguém ficar muito chateado comigo, repito uma frase do genial humorista Jaguar, do Pasquim, em plena ditadura militar; “Falando sério, a seriedade é anti-humana. O nazismo, por exemplo, era sério pacas”.
Abraços

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Viajando na maionese – como uma inocente piadinha pode nos levar a uma reflexão pesada sobre projetos, crenças e resultados

Entre muitas mudanças significativas que a sociedade viveu a partir da segunda metade do século XX, uma das mais profundas foi a chamada revolução da sexualidade. É incrível verificar que, há pouco mais de meio século, vivíamos em um mundo em que as moças “de família” casavam virgens, não havia divórcio, o homossexualismo era visto como uma aberração e otras cositas más. No novo contexto da liberação sexual, o ser humano literalmente se lambuzou, e surgiu a piada (com certo fundo de verdade, como ocorre com todas as boas piadas) de que os investimentos na área médica estavam sendo direcionados muito mais para a correção de disfunção erétil dos homens e melhoria estética das mulheres do que para a cura do mal de Alzheimer, por exemplo. O que levava à conclusão que, em alguns anos, teríamos uma geração em que os velhinhos teriam o pinto duro, as velhinhas os peitos e glúteos firmes, mas ninguém mais saberia prá que serve isto tudo. Hahaha.
Por incrível que possa parecer, esta inocente piadinha pode nos levar a reflexões bem mais profundas. Afinal, conforme digo sempre, projeto significa investir hoje para receber amanhã. E isto é o que torna o gerenciamento de projetos tão difícil; afinal, você tem que convencer a equipe, o cliente e todos os stakeholders que o sofrimento que estamos passando hoje vai valer a pena. Isto vale para qualquer projeto, desde a reforma do banheiro de casa até a construção de uma plataforma de petróleo. Matematicamente é o tal de VPL, mas, na vida real, a coisa é bem mais complicada.
E é justamente nesta hora que a cultura e as crenças se tornam importantes. A piadinha acima resume uma crença; é preferível aumentar o prazer sexual que se preocupar com o futuro do cérebro. Se levarmos esta reflexão adiante, esta é uma visão hedonista; satisfação agora, e o futuro que se exploda, ou seja, exatamente o inverso da receita do projeto de sucesso. Talvez isto ajude a entender o fracasso de quase todos os grandes projetos brasileiros; não estamos preocupados com o longo prazo, todo mundo quer é se divertir agora. Para quem gosta de contextos históricos, esta crença deve ter sido herdada dos desterrados que vinham para cá com o objetivo de encher os bolsos e arrumar um jeito de voltar para Portugal. Bem diferente da colonização americana, por exemplo, liderada por famílias que sofriam perseguições religiosas e atravessaram o oceano para construir um novo país. É uma explicação simplória para a diferença de nível entre os dois países (que têm mais ou menos a mesma idade), mas não deixa de ter sentido.
Trazendo toda esta historia para um “case” que eu conheço bem demais, acho realmente impressionante que algumas pessoas atribuam os problemas que a Petrobras atravessa hoje aos seus gestores atuais. Numa empresa do tamanho da Petrobras, posso garantir para vocês, as decisões levam sempre algum tempo até se refletirem em fatos reais. É a velha diferença entre dirigir um transatlântico e uma lancha. Citando alguns exemplos que eu vivi lá dentro (onde trabalhei de 1976 até 2014), a liderança que a empresa alcançou em tecnologia offshore no início dos anos 2000 começou com um forte programa de capacitação implantado ainda na época dos militares, no final dos anos 70; já os desastres e vazamentos catastróficos que estouraram na mão de Reichstul, no final do século XX (REPAR, baía da Guanabara, afundamento da P-36), foram fruto de uma política suicida de redução de custos que começou nos governos Sarney e Collor. Hoje, a empresa vive a ressaca de uma política igualmente suicida de investimentos em projetos conduzidos num viés totalmente político, que levaram o endividamento a níveis estratosféricos e não deram retorno algum (como o COMPERJ, onde foram enterrados cerca de 15 bilhões de reais). Num contexto muito semelhante, as décadas perdidas de 80 e 90 do século passado foram geradas por decisões erradas da ditadura militar, principalmente em função dos choques de petróleo (quando muitos dos que hoje criticam Lula só faltaram dizer que aquilo era “uma marolinha”...).
Resumindo, o que temos no Brasil, desde sempre, independente de quem ocupe o poder, é esta característica cultural de maximizar o hoje e esquecer o amanhã. Fazendo uma frase, eu diria que o Brasil vai ser o País do futuro no dia em que a gente resolver pensar seriamente no futuro. Ou algo parecido. A reforma da Previdência é um bom exemplo; salta aos olhos a necessidade de implementar este projeto, o mundo inteiro já fez, só que na terra brasilis ninguém quer abrir mão do que tem hoje. É óbvio que quando o barco afundar vai sobrar prá todo mundo, mas alguém está preocupado com isto? Afinal, carnaval está chegando e... vida que segue.