terça-feira, 12 de dezembro de 2017

O discurso do Tiririca, a preguiça de Macunaíma e a praga da teoria conspiratória; um retrato triste do Brasil

O título longo deste artigo procura apresentar uma praga tipicamente brasileira; a conclusão precipitada, por falta de vontade de buscar a informação correta. Mesmo num mundo que te possibilita acessar toda a informação necessária em um piscar de olhos.
Recapitulando a história, o deputado Tiririca (sei que dito assim parece até piada – e, de certa forma, é mesmo), resolveu fazer seu primeiro e último discurso na Câmara. O fato de um representante do povo fazer seu primeiro pronunciamento público quase sete anos após o início do mandato já é uma aberração. Mas tudo bem, seus eleitores estavam satisfeitos; afinal, mesmo sem ter feito qualquer discurso durante todo o seu primeiro mandato, Tiririca teve sua reeleição referendada por mais de um milhão de votos.
Mesmo diante de suas reconhecidas limitações ao lidar com o idioma, Tiririca não fez feio; seu discurso passou uma emoção prá lá de convincente, a imagem de um homem humilde e honesto estarrecido com o que assistiu ao longo destes anos todos, e dizendo adeus sem muita saudade à vida pública.
Entre os comentários de primeira hora, a grande maioria foi favorável ao palhaço (estou me referindo à profissão dele). Só que logo em seguida entrou em cena o grande representante de tudo o que temos de pior no Brasil; Macunaíma, o herói sem caráter.
Criado pelo escritor Mário de Andrade em 1928, Macunaíma seria o anti-herói brasileiro, caracterizado pela falta de caráter e uma preguiça endêmica (existem, é claro, diversas interpretações sobre o tema, mas não é intenção minha discutir isto). Infelizmente hoje, quase cem anos depois, ainda esbarramos com “Macunaímas” por todo o País.
O “mau-caratismo” macunaímico inventou que Tiririca, na verdade, estava servindo a outros interesses; sua renúncia favoreceria o suplente, ninguém menos que José Genoíno, uma das mais representativas estrelas decadentes do velho PT de guerra. Complementando a dupla de “qualidades” do herói, a preguiça fez com que ninguém se desse ao trabalho de verificar se a informação procedia.
O resultado foi uma enxurrada de xingamentos e grosserias para cima do pobre Tiririca. O ódio cego onipresente nas redes antissociais do País que mais mata gente no mundo (impossível dissociar uma coisa da outra) explodiu. E só depois de algum tempo alguém se deu ao trabalho de esclarecer; Tiririca não renunciou, apenas disse que não vai mais se candidatar, José Genoíno não era o suplente dele, enfim, como na velha anedota, não me chamo Manuel, não moro em Niterói, não sou casado...
O episódio ilustra com muita propriedade alguns aspectos muito tristes do nosso Brasil. O primeiro é a facilidade com que as pessoas estão dispostas a tomar posições exaltadas antes mesmo de conferir se a informação é verdadeira; o segundo é a nossa crença monolítica de que ninguém tem caráter, o que viabiliza as mais absurdas teorias conspiratórias – talvez a mais célebre seja a da “entrega” da final da Copa do Mundo de 1998 para os franceses. Provavelmente você tem vários amigos que acreditam piamente que um grupo de jogadores profissionais de alto nível seria capaz de entregar uma final de Copa do Mundo por dinheiro. E não adianta citar que no time jogavam, entre outros, Dunga, Tafarel, César Sampaio, Cafú, Leonardo e outros cidadãos acima de qualquer suspeita. Macunaíma não tem caráter, e sempre prefere acreditar que os outros são iguais a ele.
O resultado de tudo isto é triste. Mas, conforme eu digo sempre, o diagnóstico é o primeiro passo para a cura. O Brasil tem jeito, só precisa começar a aposentar a preguiça e o mau caráter de Macunaíma. Uma prescrição simples para começar a eliminar o mal é a seguinte; na próxima vez em que pensar em falar mal de alguém, seja na Internet ou em volta da máquina de café da empresa, procure primeiro apurar os fatos e seja ponderado. Não parta do princípio que todo o brasileiro é um filho da p(*). Afinal, sempre é bom lembrar que o mundo é feito de espelhos...
Até a próxima.