terça-feira, 19 de abril de 2016

O circo do congresso repete o circo nosso de cada dia

De todas as “qualidades” apresentadas por nossos ilustres parlamentares no triste espetáculo da votação de domingo (grosseria, burrice, analfabetismo funcional e outras) a que mais me chamou atenção foi a falta de disciplina. Afinal, a solicitação feita foi que cada congressista usasse dez segundos, ou seja; chega ao microfone, fala o voto (sim ou não), e passa a vez. Simples assim. Ninguém cumpriu.
Sempre que se fala em fatores críticos de sucesso para um projeto, que é a área onde trabalho, a disciplina é citada. E, na minha visão, a origem de todos os problemas que temos no Brasil passa por esta simples palavrinha; indisciplina.
O problema da indisciplina do brasileiro é muito maior do que se imagina. O economista Douglass North, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1993, afirma que o mais importante para que um país se desenvolva são as crenças de sua população. Concordo 100% com ele. E uma das crenças mais fortes do imaginário brasileiro é a sua aversão a tudo o que represente autoridade e disciplina.
Posso citar dezenas de exemplos, desde o caos no trânsito até a dificuldade que temos de formar uma fila em qualquer lugar público, mas vou citar um que me incomoda muito; o problema do celular nos aviões. É impressionante como NINGUÉM obedece imediatamente à ordem de desligar o celular. Obedecer à regra é considerado sinal de fraqueza; segundo a frase atribuída a Roberto da Matta, o brasileiro acha que quem segue as regras é babaca. O bonito, charmoso, é continuar falando até levar uma chamada pessoal da aeromoça; aí o sujeito (ou sujeita) desliga, com ar de enfado. Na votação de domingo, várias vezes a campainha teve que ser acionada. E os caras não paravam de falar. O congresso nos representa. Sad but true.
Citando mais um exemplo, Lee Kwan Yew, o lendário líder que comandou a transformação de Singapura, uma minúscula cidade-estado de cinco milhões de habitantes em um dos países mais importantes do mundo, disse que “a democracia não leva necessariamente ao crescimento. O que um País precisa é desenvolver a disciplina e a confiança”.
Afinal, disciplina é coisa de nazista?
Infelizmente, no Brasil, ainda existe uma confusão de conceitos entre disciplina e repressão; resumindo, vemos a disciplina como um entrave à criatividade, por exemplo. Para acabar com este mito, seguem duas frases de indivíduos reconhecidamente criativos;
“Disciplina é liberdade” (Renato Russo, compositor).
“Em relação à propaganda, sou obviamente contra a censura e totalmente a favor de disciplina e legislações” (Washington Olivetto, publicitário).
Na verdade, a disciplina pode até começar pela repressão (em Singapura foi assim), mas se estabelece mesmo no momento em que todas as pessoas entendem que esta é a melhor forma para se viver. A foto que ilustra este artigo mostra um grupo de japoneses esperando para levar para casa sua cota de água potável após o tsunami de março/2011. Veja que todos estão obedecendo à fila, mesmo em um cenário totalmente caótico. Compare esta imagem com a do nosso congresso. Depois, ao invés de dizer que estes políticos não nos representam, pense nas suas atitudes no dia a dia do trânsito, do aeroporto, da fila do supermercado...
Resumindo; a melhora que todos queremos passa, mais que qualquer coisa, por uma renovação de crenças e valores. O já citado Douglass North diz que “um país que valoriza a pirataria vai produzir os melhores piratas”. Uma cultura que valoriza o individualismo e a safadeza vai eleger políticos egoístas e safados. Simples assim.
Existe mais a dizer sobre o assunto, mais este artigo já ficou longo demais. Fica para um próximo.


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