sábado, 1 de agosto de 2015

A VIDA NÃO É FÁCIL PARA OS GERENTES DE PROJETOS NO BRASIL. MAS ISTO PODE MUDAR...

Começo esta reflexão contando um “causo” que ouvi há mais de vinte anos, em uma mesa de bar, depois de muitos chopes e que, portanto, pode ser pura fantasia. Quem contou foi um colega, já então aposentado da Petrobras, e que tinha sido assistente de um diretor da empresa lá pelo final dos anos 80, na época do governo Sarney. Pois o tal diretor, ao final de um dia particularmente estressante, teria dito algo do tipo; “Eu sou diretor da maior empresa da América Latina, mas não tenho poder nem para sugerir mudanças no preço do meu produto, não posso dar bônus para um bom funcionário, nem demitir ninguém, nem mexer na carteira de projetos... afinal, o que eu estou fazendo aqui?”. E pediu as contas no dia seguinte.
Verdadeira ou não, esta história mostra uma realidade tipicamente brasileira; somos a terra do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Esta cultura, quando aplicada ao mundo de gerenciamento de projetos, causa danos irreparáveis.
Sempre procuro transmitir aos meus alunos que, muito mais do que aprender técnicas e ferramentas, para que toda esta formação apresente resultados e ganhe credibilidade, é necessário trabalhar para que se crie no Brasil uma cultura de gerenciamento de projetos. E esta cultura é, em sua essência, altamente democrática, ou seja; todos devem ser ouvidos na fase de planejamento, para que tenhamos metas factíveis e equipe comprometida com o resultado. Funciona assim no mundo todo.
A dicotomia entre estas boas práticas aprendidas nos cursos e a dura realidade do dia a dia talvez seja a melhor explicação para a situação anômala que vivemos no Brasil de hoje; temos muitos cursos de MBA e pós-graduação nesta área, centenas de profissionais especializados entram no mercado todo ano, o número de certificados PMP cresceu exponencialmente, mas, ao contrário do que era de se esperar, toda esta qualificação de mão de obra não se refletiu em resultados, e nossos projetos vão de mal a pior – atrasos colossais, prazos estourados, mudanças totalmente sem controle...
Porque isto acontece? Na minha visão, o problema é que o nosso sistema de tomada de decisões é o mesmo desde as capitanias hereditárias; o grande senhor da terra dá as ordens e os vassalos se viram para tentar cumprir o que, na maioria das vezes, todos sabem que é impossível. Existe uma clara divisão entre a casta superior, que define os objetivos do projeto sem consultar ninguém, e os subordinados, incluindo aí o pobre do gerente do projeto, que ou aceita trabalhar assim ou vai arrumar outro jeito de ganhar a vida. E quando tudo dá errado, porque foi mal planejado (ou, como eu prefiro dizer, foi cuidadosamente planejado para dar errado), quem leva a fama de incompetente é o gerente do projeto e sua equipe.
As recentes investigações sobre os conchavos entre governantes e grandes empreiteiros mostraram claramente que o sucesso de um empresário no Brasil depende muito pouco de sua eficiência ou produtividade; vale mais ter amigos influentes e subornar as pessoas certas. Neste tipo de cenário, não há espaço para que o gerente de projetos mostre sua competência, uma vez que os contratos já nascem viciados, prazos e orçamentos são obras de ficção, escopos são mal definidos... A única coisa que resta ao GP é apagar incêndios e preparar belas apresentações de power point para fingir que está tudo bem, enquanto espera a hora em que a bomba vai explodir. Não é para isto que o sujeito se especializa nesta área, entendo eu.
Acredito que o grande benefício que a “Lava-jato” pode trazer para os futuros projetos brasileiros é deixar claro o quanto este modelo é prejudicial para todo mundo – sim, porque projetos mal planejados acabam com a economia de um país, conforme estamos sentindo na pele. A solução, simples, é adotar um modelo baseado na meritocracia, conforme funciona em todo o mundo civilizado, trazendo para a liderança das estatais, que ainda são o principal motor deste país, gerentes escolhidos por sua competência (e não apadrinhados), que tenham liberdade para decidir sobre projetos e contratos (e sejam cobrados por isto, é claro). Isto fará com que se destaquem as empresas verdadeiramente competitivas, preocupadas em firmar e cumprir compromissos de prazos, custos, qualidade e escopo.
Este pode ser o momento histórico para que se proponha uma profunda mudança de “modus operandi” e de paradigmas. Para que nunca mais um alto gerente da Petrobras passe pela situação contada pelo meu amigo (e que demonstra, claramente, que a interferência nefasta do governo sobre a empresa não é uma doença recente. Particularmente, acho que a diferença é que o populismo dos dois últimos governos extrapolou todos os limites do bom senso, levando a empresa a uma situação de quase insolvência com o único objetivo de se manter no poder. Opinião de quem trabalhou lá de 1976 até 2014, quem quiser discordar fique à vontade. Fecho o parêntese).
Resumindo, acho que podemos sair desta confusão muito mais fortes, e chegar, em um prazo não muito longo, a um Brasil eficiente, onde gestores públicos, empresários e trabalhadores estejam alinhados e comprometidos com os resultados. Este é o cenário perfeito para que os bons gerentes de projetos façam o seu trabalho, e apliquem na prática os conhecimentos que adquiriram, numa relação que é positiva para todos. Pode ser que seja só um sonho, mas eu prefiro acreditar. Mesmo porque, se a gente não acreditar, aí mesmo é que não acontece nada.

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