domingo, 15 de fevereiro de 2015

GABRIELLI ACHA QUE O PROBLEMA FOI FALTA DE COMPETÊNCIA DA ENGENHARIA DA PETROBRAS. SERÁ VERDADE?

Uma extensa entrevista do ex-Presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli foi publicada hoje no site UOL (ver http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/02/1589921-entrevista-com-jose-sergio-gabrielli.shtml). Gabrielli sabe fazer política, é inteligente e articulado, e quase consegue, ao longo de seu extenso depoimento, convencer o leitor de que não tem nada a ver com o que aconteceu na Petrobras durante a sua própria gestão. Só que explicar o inexplicável é tarefa para pouquíssimos (Paulo Maluf é o único que me parece capaz disto), e Gabrielli acaba tropeçando algumas vezes. Por exemplo, sobre o desastre do projeto das refinarias (ele se refere especificamente à Abreu e Lima, mas vale para o COMPERJ, também), diz o seguinte; “Acontece que a última refinaria construída foi em 1980 e houve uma desmontagem da engenharia da Petrobras até 2003. Ai, em 2005, você inicia um projeto de refinaria retomando a capacidade técnica da engenharia da Petrobras. Evidentemente que você vai fazer um projeto fraco, você não tem expertise suficiente para isto”.
Não sei até que ponto o Sr. Gabrielli tinha conhecimento do nível de capacitação dos funcionários da empresa que presidia, mas o fato é que, durante este intervalo de tempo, a Engenharia da Petrobras foi capaz de implementar dezenas de projetos de adaptação do nosso parque de refino para o petróleo Marlim, além de diversos outros de ampliação da capacidade de refino, englobando as mais importantes novidades tecnológicas, num esforço que começava na Engenharia Básica do CENPES, onde trabalhei durante 26 anos, e chegava às Unidades. E em praticamente todos estes projetos não houve estouros astronômicos de orçamento e prazo, muito menos casos de propinas ou corrupção. O fato é que posso dizer, sem medo de errar, que a Engenharia da Petrobras estava perfeitamente apta a conduzir os projetos das novas refinarias.
Fui o coordenador dos projetos básicos do COMPERJ, e posso assegurar que nossos projetos tinham qualidade suficiente para competir com qualquer empresa estrangeira. Trabalhamos em parceria com empresas do nível da SHAW Stone&Webster americana, Axens da França, Technip da Itália e diversas outras. Vejam bem, ninguém me contou isto; eu estava lá, participei das reuniões e vi os melhores do ramo elogiando a qualidade dos nossos projetos e o nível de conhecimento das nossas equipes. Infelizmente isto não chegou ao conhecimento do Sr. Gabrielli, ou foi ignorado por ele.
Se alguém estiver interessado, o meu diagnóstico sobre o problema destes projetos de refinarias é diferente. O que aconteceu foi que, obedecendo a uma política ufanista (e suicida) que tinha como único objetivo ganhar eleições até onde possível, o governo brasileiro resolveu fazer quatro refinarias ao mesmo tempo, além de obras para a Copa do Mundo, para a exploração do pré-sal, Olimpíadas e mais não sei o que. E o fato e que não havia condições de fazer tudo ao mesmo tempo. O mercado de engenharia ferveu, recém-formados recebiam ofertas astronômicas e, como não havia gente capacitada suficiente para fazer tanta obra ao mesmo tempo (o que não chega a ser uma vergonha para nós; acho que poucos países do mundo venceriam um desafio maluco destes), tivemos muitos problemas, principalmente no caso de projetos envolvendo alta tecnologia, como os das refinarias citadas. É claro que o governo sabia o que estava acontecendo, mas preferiu deixar rolar, afinal o povo estava feliz, tinha emprego prá todo mundo, e um viadutozinho que caiu ali, uma obrinha superfaturada ali, um atraso absurdo acolá eram considerados acidentes de percurso. No caso específico da Petrobras, ainda havia a imposição de decisões tomadas apenas em função de fatores políticos, como a desastrosa ideia de construir o COMPERJ em um lugar onde não havia acesso para os grandes equipamentos (que até hoje não chegaram lá). Nenhuma empresa do mundo resiste a uma ingerência política tão grande. Digo e repito; neste cenário, o prejuízo causado pela corrupção é muito mais moral do que financeiro. A Petrobras iria à bancarrota com ou sem os desvios de dinheiro.
Só que agora, quando o Titanic está fazendo água por todos os lados, o ex-comandante do navio prefere jogar a culpa na incompetência dos seus engenheiros. Como diria meu sábio avô lá de Santa Maria; quem faz uma afirmação destas ou tem informação de menos, ou má intenção demais. E la nave vá...

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