domingo, 6 de julho de 2014

De Maiakovski à vertebra do Neymar - causos de impunidade

“Na primeira noite, eles se aproximam e roubam uma flor de nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem, pisam as flores, matam nosso cão.
E não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles, entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.
E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada.”
- Maiakovski, poeta Russo.
Por algum motivo, o lance que vitimou Neymar no jogo de anteontem me fez lembrar este poema. E me fez refletir sobre o problema da impunidade como fator cultural, algo que, infelizmente, é costume na sociedade brasileira. E também me lembrou outra frase, aquela que diz que de boas intenções o inferno está cheio.
Explicando; tudo começou quando a FIFA, pretendendo “preservar os artistas do espetáculo”, orientou os árbitros dos jogos das quartas de final a economizar nos cartões amarelos, para evitar alguma suspensão automática. O próprio Neymar se enquadrava no caso, porque já tinha um cartão, que levou no jogo de estreia, contra a Croácia. A intenção era ótima, mas a impressão que tenho é que a FIFA é hoje tão preocupada com os aspectos financeiros do seu megaevento que esqueceu completamente o que é um jogo de futebol. Apenas para lembra-los, o futebol pode ser um belo jogo, mas também tem o seu lado sujo – faltas, simulações, e otras cositas mas fazem parte do espetáculo e nem sempre são devidamente punidas.
Qualquer um que tenha participado de algum jogo com arbitragem oficial (mesmo que tenham sido apenas torneios amadores, como é o meu caso), sabe como a coisa funciona; o jogo começa meio morno, vai esquentando e, lá pelas tantas, alguém resolve “roubar a primeira flor do jardim”, para usar a linguagem do poeta russo. Em linguajar mais rasteiro, um dos jogadores resolve dar a primeira porrada, só prá ver o que o juiz faz. Se a reação é forte (cartão, bronca, punição), o jogo fica controlado; se os atletas percebem que o juiz está intimidado, por qualquer razão, o caos se instala rapidamente. E é claro que profissionais experientes como os envolvidos no jogo Brasil x Colômbia entenderam logo que só haveria punição em último caso (algo parecido com tentativa de homicídio). O resultado foram mais de cinquenta faltas em um jogo de noventa minutos, algumas dignas de boletim de ocorrência. De parte a parte, diga-se de passagem.
E aí, no finalzinho do jogo, o tal Zuniga, de cabeça quente porque o time dele estava perdendo, pegou o Neymar de jeito. Foi desleal? Sim, sem dúvida. É um crápula? Na minha visão, não. Fez apenas o que todo mundo estava fazendo; e quando diz que “foi uma fatalidade”, não me parece cínico, foi azar mesmo. Poderia haver uma perna quebrada tanto do lado de lá como de cá. Sobrou para a vértebra L3 do Neymar.
Resumo da ópera; para qualquer coisa funcionar direito – seja um jogo de futebol, uma equipe de projeto, uma sociedade, um país – é preciso haver um sistema de causa e consequências claro, e que seja aplicado com rigor. No momento em que se é conivente com o jogo sujo, mesmo que a causa aparentemente seja nobre, abre-se a caixa de Pandora, e libera-se todo o mal. E aí até o mais fraco deles se julga no direito de dar porrada, porque não vai acontecer nada, mesmo. Nem um cartãozinho amarelo.
Na verdade, talvez esta seja uma boa explicação para todos os problemas da sociedade brasileira, mas este “causo” fica prá próxima...

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