segunda-feira, 16 de julho de 2018

Zico, Modric e os deuses do futebol; dois craques, duas histórias diferentes

Não sei se muita gente reparou nisto, mas nesta Copa tivemos uma história envolvendo um extraordinário camisa 10 que repetiu, com um final diferente, um episódio de 32 anos atrás.
México, 1986, quartas de final, Brasil x França. Jogo empatado, e de repente Zico enfia uma bola genial para Branco que vai marcar mas é derrubado pelo goleiro. Zico bate o pênalti... e perde. O empate sobrevive à prorrogação e o jogo vai para os pênaltis. Corajoso, como deve ser um líder de verdade, Zico não se deixa abater pelo erro cometido, se oferece para chutar e converte com perfeição. Infelizmente Sócrates e Júlio Cesar perdem suas cobranças, o Brasil é derrotado, volta prá casa e Zico carrega por muito tempo a marca (injusta) de responsável pela eliminação em sua última copa como jogador.
Rússia, 2018, oitavas de final, Croácia x Dinamarca. A prorrogação está quase em seu final quando o craque Modric descola um lançamento preciso para Rebic, que passa pelo goleiro mas é derrubado diante do gol vazio. Capitão e craque do time, Modric bota a bola embaixo do braço, vai para a marca e... bate ridiculamente mal, proporcionando uma defesa firme do goleirão Schmeichel. Decepcionados, os croatas vão para a decisão por pênaltis. Tão líder e craque quanto o Zico de 86, Modric encara o desafio e converte a sua cobrança. Só que, por capricho dos deuses do futebol, o goleiro Subasic pega três chutes dinamarqueses, a Croácia ganha, vai em frente e chega a um surpreendente vice-campeonato. De quebra, Modric é coroado (com justiça) o craque da Copa.
O que isto prova? Rigorosamente nada, apenas que o futebol é fascinante justamente por envolver elementos de imprevisibilidade que só podem ser atribuídos a deuses caprichosos e apaixonados. Zico, o castigado, era um líder acostumado a levar à vitória um time do Flamengo que até os não-flamenguistas, como é o meu caso, lembram com saudades (eu sou do tempo em que, acima da torcida pelo meu clube, estava o amor pela arte do futebol. E aquele Flamengo era fantástico). Os deuses do futebol não concederam a ele e sua grande geração, que incluía Falcão, Sócrates, Éder e o técnico Telê, entre outros, sequer a honra de uma final de Copa do Mundo. Já Modric, o escolhido da vez, está acostumado a fazer um trabalho de operário em um time onde os galácticos são Cristiano Ronaldo, Sérgio Ramos, Kroos e outros. Mas mostrou grandeza e força quando precisou liderar seus irredutíveis companheiros em uma jornada gloriosa. Talvez isto tenha agradado aos deuses.
A lição aprendida é; a liderança tem várias faces e, muitas vezes, aquele baixinho com cara de fuinha, que não cobre o corpo de tatuagens nem ostenta penteados esdrúxulos, não produz lances cinematográficos mas joga com simplicidade e eficiência, pode se mostrar o maior de todos os guerreiros, quando é necessário.
Quanto aos deuses do futebol... bem, eles têm suas próprias regras. Talvez achassem que Zico já tinha ganho muito. E que o mundo precisava conhecer melhor o talento de Modric.

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