domingo, 14 de dezembro de 2014

PORQUE EU NÃO SUPORTO O TAL DE “POLITICAMENTE CORRETO”

Sou um grande admirador de Nelson Mandela, e o considero exemplo de como um líder justo e carismático é capaz de implantar mudanças mesmo em condições extremamente adversas. Depois da morte dele todo mundo concorda comigo, mas não era bem assim há uns oito anos atrás, quando aconteceu o “causo” que vou contar agora. Eu estava ministrando uma aula no MBA de gerenciamento de projetos da FGV-SP, e citei Mandela como um exemplo de líder transformador. Na turma havia três angolanos, um rapaz e duas moças. E uma delas me interrompeu e disse que Mandela não era tudo aquilo que eu estava dizendo.
Eu adoro quando alunos me interrompem e, principalmente, quando me contestam, porque sou democrata até o fundo da alma e acredito que a melhor forma de aprender e ensinar é através da discussão educada. Só que não foi difícil perceber que a mocinha estava com sangue nos olhos; ela via Mandela como um traidor dos negros, porque admitia ter brancos em sua equipe e procurava apaziguar os ressentimentos do passado. Ela achava que os brancos tinham que pagar por tudo o que tinham feito, e a posição conciliadora dele era vista por ela como frouxidão e falta de caráter. Percebi logo que o radicalismo dela impedia qualquer tentativa de debate inteligente, e antes que ela apelasse para um golpe baixo do tipo “você é branco, por isto não tem autoridade para discutir a questão dos negros”, dei um jeito de fechar logo a discussão e mudar de assunto. O interessante é que os outros dois angolanos, também negros, mesmo permanecendo calados durante toda a conversa deixaram claro, por gestos e expressões faciais, que não concordavam com as teses dela.
Lembrei este episódio ontem, quando vi a publicação do relatório do grupo que, pomposamente, se intitula “Comissão da Verdade”, com propostas de julgamento e punição para gente que já morreu e otras cositas mas. E a memória veio porque, na África do Sul, tivemos coisa semelhante, só que Mandela, como líder do projeto, fez questão de ouvir os dois lados. Desta forma, criou-se espaço para arrependimentos do tipo “eu fiz isto e aquilo porque, na época, acreditava que isto era o melhor para o meu país. Peço desculpas às vítimas e seus familiares”. Ou seja, houve um movimento no sentido de unir o que estava quebrado. No Brasil, como o poder apenas mudou de mãos, hoje ninguém pode contestar as vítimas de perseguição, assim como, na época, ninguém podia contestar os ditadores.
A pergunta que eu faço é; como alguém espera mudar alguma coisa com este tipo de atitude? Continuamos no ódio, só mudou o nome de quem bate e de quem apanha. Se pensarmos bem, toda esta ridícula praga do “politicamente correto” está baseada neste princípio; eles não querem direitos iguais para todos os que historicamente foram perseguidos, como negros, índios e homossexuais, mas sim revanche. Como a minha aluna rebelde, eles querem ver sangue; agora é a nossa vez! Olho por olho, dente por dente.
Recordando a atitude de gente que realmente mudou a história, como Jesus Cristo, Gandhi e Martin Luther King, por exemplo, vemos que a visão deles era sempre conciliadora, como a de Mandela. Quem conhece um mínimo sobre a Bíblia sabe que a diferença entre o Antigo Testamento e o Novo, que é o de Jesus, é justamente a introdução do perdão nas relações humanas. Em lugar da lei de Talião, cujo enunciado coloquei acima, Jesus propõe que se desculpe o irmão, não apenas uma vez, mas sempre. O sonho de Martin Luther King não era ver os negros dominando os brancos, mas todos vivendo como irmãos. Mandela seguiu esta linha.
A história nos mostra que uma sociedade só evolui a partir de propostas novas e discussões inteligentes. Resumir tudo a guerras santas tipo brancos x negros, homos x heteros, petralhas x coxinhas, não leva a nada. Sou contra a discriminação dos homossexuais, mas considero absurdo saber que um grupo de ativistas desta causa sugeriu um processo por homofobia contra o genial Maurício de Souza, apenas porque ele se recusou a colocar um personagem gay na turma da Mônica; menos, pessoal, muito menos. A historinha é dele, ele faz o que quiser. Na mesma linha, já teve gente querendo proibir Monteiro Lobato nas escolas porque descobriram uma frase que teria uma suposta conotação racista num de seus livros. Isto é doença, Lobato não só é um dos maiores escritores da língua portuguesa como um cidadão exemplar, um brasileiro cuja trajetória só nos orgulha (e quem trabalhou na área do petróleo, como é o meu caso, sabe muito bem disto).
Resumindo; Mandela, com sua visão de igualdade entre os seres humanos, conseguiu implantar avanços históricos em um país marcado, durante muito tempo, pelo ódio e segregação. No Brasil, infelizmente, os que se diziam arautos da mudança a cada dia se parecem mais com seus antecessores. Seguramente, o caminho do progresso não é este.

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