quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Rafaela Silva e a nossa Avenida Brasil de cada dia


Certa vez ouvi a famosa autora de novelas Glória Perez dizer que “se alguém quiser entender os Estados Unidos deve assistir aos filmes de Hollywood; e se quiser entender o Brasil, deve assistir a uma novela”. Não lembro se a frase foi exatamente esta, estou citando de memória, mas a ideia ficou clara. Se isto é verdade (e eu acredito que é), tenho certeza que ninguém entendeu melhor a alma do brasileiro, nos últimos tempos, que os autores e diretores de “Avenida Brasil”; a novela é um sucesso absoluto, bate recordes de audiência todos os dias, dita modas e costumes, enfim, influencia a sociedade em todos os níveis. Ponto para eles.
Rafaela Silva também tem uma história de sucesso. De origem muito humilde, foi “descoberta” a partir de um projeto de levar o esporte a comunidades carentes, revelou-se uma judoca de talento raro e, com apenas vinte anos, conseguiu chegar ao seleto grupo dos melhores atletas do mundo na sua modalidade, indo disputar sua primeira Olimpíada com chances reais de medalha.
Na segunda-feira, de alguma forma, as duas histórias se cruzaram. No momento de maior exposição de sua carreira, Rafaela foi desclassificada em uma luta decisiva por ter aplicado um suposto “golpe ilegal”. Os próprios árbitros da competição não chegaram a um consenso no momento da punição à atleta brasileira e, até onde um leigo como eu conseguiu entender o assunto, ficou a impressão de que a pena aplicada foi excessivamente rigorosa. Em termos de futebol (que eu conheço bem melhor), foi como se o juiz resolvesse dar um cartão vermelho em uma jogada que mereceria, no máximo, um amarelo. Desclassificada, Rafaela desabou em choro que foi registrado por todos os meios de comunicação do País.
A coisa poderia ter terminado por aí, mas o desdobramento foi cruel. Pelo twitter (ah, estas maquininhas do demônio), Rafaela recebeu algumas mensagens de apoio e de consolo mas, em paralelo, leu coisas do tipo “lugar de macaca é na jaula”, ou “você é um traste, um nada, e vai ser lembrada apenas como um nada”. Provocada, em um momento de descontrole (muito justificado, diga-se), reagiu da pior forma possível, com palavrões e xingamentos.
E onde entra a novela nesta história? Simples; por algum motivo que escapa à minha compreensão, a audiência da novela aumentou exponencialmente quando começaram as sessões de humilhação mútua entre as duas heroínas da trama (Nina e Carminha). Primeiro uma tenta enterrar a outra viva, depois a outra chantageia a primeira, e por aí vai. E o que me chama a atenção é o linguajar utilizado; traste, vagabunda, piranha, e por aí vai. E a platéia vibra, enquanto eu, pobre de espírito, tento trocar de canal e fingir que isto não existe. E é exatamente este o linguajar que os críticos de Rafaela usam no twitter; traste, vagabunda, macaca (este último só não é colocado na TV por causa do policiamento do “politicamente correto”. Pela primeira vez na vida eu aplaudo os “politicamente corretos”).
Resumindo; para alguns, como é o caso deste escriba, Rafaela é o máximo, uma prova de que é possível vencer na vida, mesmo começando muito de baixo, com esforço, trabalho e dedicação. Mas para a grande maioria do nosso povo, que prefere o ambiente egoísta, ignorante, agressivo e hiper-erotizado da novela, Rafaela é um lixo. Afinal, o que ela faz? Trabalha e luta. Não se envolve em tramas escabrosas, não tem visual de periguete, jamais será convidada para posar nua. Ou seja; é um nada. E, tenho certeza, a sua derrota encheu de alegria a turma da Avenida Brasil, que aproveitou para fazer o que mais gosta; humilhar quem está por baixo.
Para tentar entender isto, só recordando o maior frasista brasileiro de todos os tempos; Nelson Rodrigues. Foi ele quem disse que “o brasileiro é o Narciso às avessas; se puder, ele cospe na própria imagem”. Nada mais certo; o brasileiro não aceita o sucesso de quem trabalha. Por isto nossos melhores projetos nunca vão prá frente; o próprio brasileiro não quer. Entre Rafaela e Avenida Brasil, o povão fica com Avenida Brasil. E sente um prazer quase orgásmico quando vê o trabalho dos outros fracassando. Vá entender...
De qualquer maneira, mesmo sendo minoria, prefiro ficar solidário com Rafaela, não só na sua luta como também (porque não), na sua reação indignada. Um dia a nossa cultura melhora um pouquinho, e o povão aprende a reconhecer o trabalho e a luta das nossas muitas Rafaelas, e esquece um pouco das armações das Ninas e Carminhas... Eu só espero estar vivo para assistir.

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